"A meta final do JUDÔ KODOKAN é o aperfeiçoamento do indivíduo por si mesmo, desenvolvendo um espírito que deve buscar a verdade através de esforço constante e da sua total abnegação, para contribuir na prosperidade e no bem estar da raça humana" "Nada sob o céu é mais importante que a educação. Os ensinamentos de uma pessoa virtuosa podem influênciar uma multidão; aquilo que foi bem aprendido por uma geração pode ser transmitidas a outras cem." Jigoro Kano

ENTREVISTA COM TOKIMUNE TAKEDA AS ORIGENS DO AI KI DO


Daito Ryu no Japão



Antes de criar o Aikido, Morihei Ueshiba Sensei foi discípulo de Sokaku Takeda, mestre da escola Daito-Ryu. Uma grande parte do aikido provem diretamente do Daito-Ryu antigo. Com o mestre Tokumine Takeda, filho de Sogaku, nós delimitamos a questão sobre esta escola pouco conhecida no Ocidente.



Na minha carreira de jornalista eu já fui ao encontro de curiosas entrevistas, eu tinha somente um nome e um número de telefone. A pessoa que eu devia chamar deveria me dizer onde eu poderia encontrar sensei Floquet. Como o meu japon6s 6 dos mais aproximativos, a recepcionista do hotel aceitou servir de int6rprete. Anotou um nome num pedaço de papel. seguido do nome da cidade: Aizu. Segundo informações dadas. Aizu se acha à mais ou menos 500 km ao norte de Tóquio. Justo o tempo de comprar uma passagem de trem e estou partindo. Não muito tranqüilizado no entanto, porque, no Japão, já quando se tem um endereço exato é muito raro de encontrá-lo uma vez que as ruas não são numeradas. Em geral as pessoas fazem um pequeno mapa do estilo: depois da padaria, é a segunda rua à direita, justo ao lado da banca de jornais... Mas nesse momento, nada. Bom "Oue Deus me ajude", como dizem os japoneses. As nove horas da noite, sob uma chuva forte, desembarco em Aizu. Subo num taxi e tiro meu pedacinho de papel com alguns ideogramas vagamente rabiscados. Para minha grande surpresa, o chofer parece conhecer o endereço. Rodamos durante uma meia hora em pleno campo sem ver um gato pingado. Sempre sob a chuva. Um pouco lúgubre isso. Por fim, o chofer pára num estacionamento e me faz sinal de que havíamos chegado. Eu, desconfiado, percebo uma butique de lembranças à minha esquerda, do gênero daquelas que se encontra num parque de diversões. Estranho, estranho, como é estranho. Desço para me informar: "Floquet san? Yes, yes, come in." Pago o taxi, pego minha bagagem e uma vez atravessada a butique, malas na mão, desembarco num banquete japonês! Todos os professores da escola Daito ryu reuniram-se para festejar os 10 anos de sua organização.

Alain Floquet, que representa oficialmente esta escola na França foi convidado para a festa com dois de seus alunos. Uma de cada vez, cada professor faz a volta na mesa, com uma garrafa de sakê numa mão e uma garrafa de cerveja na outra. A polidez faz com que não se possa recusar em brindar. Ora, justamente acabo de passar por uma crise de fígado terrível, vomitei durante dois dias. Eu esperava escapar desta prova mas quando vi um pequeno japonês de grossas sombrancelhas, já bem alto, se precipitar sobre mim gritando:

"Kempai", compreendi que as minhas explicações não serviriam para nada.

Então, com a morte na alma. fiz um brinde. depois um segundo, depois um terceiro à glória da escola Dalto Ryu... No íntimo eu pensava que traduzissem por mim a frase "Sinto muito, tive uma crise de fígado" para uma outra próxima estadia.

Mas não há senão a fé que salva, não é? Porque no dia seguinte, não somente eu não estava doente, não somente fazia um dia lindo, mas ainda por cima eu compreendi quando o dia raiou o porque deste curioso encontro. Com efeito, eu tinha na minha frente o castelo de Aizu, reconstruído pedra por pedra segundo as plantas da época.

O endereço que eu havia anotado era isso: mais ou menos como se indicássemos a um chofer de táxi parisiense o Castelo de Versalhes.

É necessário saber que o clã de Aizu, fundado no século 17 pelo senhor Hoshina, foi sempre reputado pela coragem de seus samurais.

No século 19, um exército formado pelos clãs Satsuna, Choshu, Toza e Hizen atacou o castelo de Aizu. Somente um punhado de adolescentes, alunos da escola do samurai de Aizu, se encontrava presente. Os jovens preferiram suicidar-se à render-se.

Este episódio trágico aconteceu em 1868. Na época, o Japão abeirava-se da guerra civil. Somente a chegada ao poder do Príncipe Mutsuhito e a restauração do império, que marcou o começo da era Meiji, pôs fim aos conflitos que opunham os diferentes clãs.

O clã de Aizu possuía uma técnica secreta de combate a mãos nuas, baseada essencialmente nas chaves de braços e punhos. Esta técnica, denominada Daito Ryu Aiki Jujutsu, foi transmitida de geração a geração até o século 19. Sokaku Takeda, nascido em 1860, recebeu a autorização de ensinar esta arte temível. Um dos seus principais alunos foi Morihei Ueshiba, o futuro fundador do Aikido.

Mestre Takeda morreu em 1943 aos 83 anos de idade.

Seu filho, Tokimune Takeda, nascido em 1916, sucedeu-lhe na festa do Daito Ryu. Oficial de polícia aposentado, ele abriu um dojo, o Daitokan, em 1954. Depois dessa data, mais ou menos uns sessenta clubes foram criados através de todo o Japão.

Desde 1976, Tokimune Takeda se dedica ao ensino. Sua organização agrupa mais ou menos 2.300 membros. Ele aceitou em nos dar uma entrevista exclusiva sobre seu pai, Sokaku Takeda, um personagem extraordinário e sobre seu relacionamento com Morihei Ueshiba.


K - Mestre Takeda, eu gostaria que o senhor nos falasse um pouco de seu pai, Sogaku Takeda.

TT - Meu pai recebeu uma educação de samurai. Se bem que tenha vivido na era Meiji, comportava-se sempre como um samurai. Conservou o hábito de falar muito alto, como o faziam tradicionalmente os guerreiros ao se apresentarem. Além do mais, ao envelhecer meu pai tornou-se um pouco surdo. Como tinha dificuldade para ouvir, gritava mais do que falava.

Com seu sotaque de Aizu, a maioria das pessoas não podiam compreendê-lo. Essa é a razão porque, desde a idade de 15 anos, eu lhe servia de intérprete.

Era um homem de baixa estatura, ar severo. Usava sempre o Hakama, vestimenta japonesa tradicional. Naquela época, Sokaku Takeda era o único a ensinar o Daito Ryu. Não havia dojo. Ele percorria todo o Japão e dava seminários de uma dezena de dias. Seus alunos eram sobretudo policiais e magistrados. Ele ensinou até a idade de 83 anos e calcula-se que formou mais ou menos 30.000 alunos.

Meu pai tinha um dom espantoso, uma espécie de sexto sentido. E deu-me muitos exemplos disso. Um dia, durante um seminário, tinha perante si uma centena de policiais que ele via pela primeira vez.

Pediu a quatro entre eles para saírem da sala. Mais tarde o chefe da polícia local quis saber o porquê dessas exclusões. "Como!" replicou meu pai.

O senhor me pergunta porque eu não quis ensiná-los ?Ora: um deles é bêbado, o outro mulherengo, o terceiro o desobedece sem parar... Eu não posso ensinar tais indivíduos! O policial ficou surpreendido pois tudo isso era verdade, perfeitamente exato, se bem que meu pai nunca tivera visto esses homens antes.

De outra feita, estávamos numa estalagem, em Sendai. Meu pai tinha quase 80 anos então, repousava no seu quarto no segundo andar.

Eu mesmo estava na mesa, em baixo com outros companheiros. Havia lá uma mulher quarentona, que se dizia filha de samurai, especialista na arte da naginata (alabarde) e na arte da cerimônia do chá. Todo mundo estava impressionado.

De repente, meu pai chegou:

"Tokimune! Esta mulher é louca. Não fique com ela!"

E subiu para o quarto. Eu estava embaraçado, desculpei-me para com essa mulher, dizendo-lhe que o comportamento do meu pai era próprio da sua idade avançada. Assim que eu voltei para o quarto, Sokaku estava furioso. "Você não deve falar com uma louca como aquela! Eu posso ler o espírito das pessoas normais. Mas os pensamentos dos loucos é imprevisível e eu não consigo decifrá-los". Dois dias mais tarde, o marido dessa mulher veio buscá-la. Ele me confirmou que ela era louca mas que o segredo não sala da família e que não podia compreender como um velho homem como meu pai o tinha adivinhado.


K. Eu creio que existia um elo entre seu pai e Jigoro Kano, o criador do Judô?

TT. Meu pai e Jigoro Kano eram amigos. E preciso dizer que o professor de meu pai de Daito Ryu, Tanomo Saigo, tinha um filho adotivo, Shiro Saigo. Depois de ter recebido primeiramente uma formação em Daito Ryu, Shiro Saigo pôs-se a praticar o Judô. Ele tornou-se o mais célebre campeão do Kodokan, o dojo de Kano. Por diversas vezes, Shiro Saigo disputou duelos de morte contra os praticantes do jujutsu.

Ele serviu de modelo para o herói do romance "Sugata Sanshiro".

Depois que Shiro decidiu em se dedicar ao Judô, seu pai, Tanomo Saigo escolheu Sokaku Takeda para lhe suceder a frente do Daito Ryu.


K. Fora do Daito-ryu, que outra escola seu pai estudou?

TT. Ele foi aluno de sensei Sakakibara, do Jiki Shinkage-ryu, uma escola de sabre, durante dois anos e meio.

Depois Sakakibara sensei o enviou para estudar com Shunzo Momoi, um célebre mestre de sabre que vivia em Osaka. Meu pai era um verdadeiro guerreiro. Por exemplo, ele não comeria jamais qualquer coisa que não tivesse sido feita por um dos alunos.

Ele estava sempre em alerta. Um dia, nós havíamos visitado Takano sensei, um grande mestre de armas. Ele nos tinha acompanhado até a porta de sua moradia. Uma vez na rua, meu pai me censurou severamente porque eu tinha me colocado na frente de Takano-Sensei: "Que é que você teria feito se ele lhe houvesse atacado por trás, hein?" Sensei Takano era professor primário. Era também um excelente esgrimista. Disse a meu pai que isso me parecia impossível: porque esse homem me atacaria desse jeito? "Você devia ter vergonha! Um verdadeiro praticante de budô segue os outros. Andar na frente de alguém equivale a ser morto. Como você não pode compreender isso?" Eis o tipo de homem que era meu pai.


K. Quando Morihei Ueshiba encontrou seu pai?

TT. Em 1915. Eles se encontraram no albergue Hisada, em Engaru.

Morihei Ueshiba tinha vindo se instalar em Hokkaido para cultivar a terra quando ele tinha aproximadamente vinte anos, estudou o Daito Ryu com meu pai durante quase cinco anos.

Era um aluno assíduo.

Quando meu pai começou a viajar para ensinar sua arte, Ueshiba acompanhou-o servia-lhe de assistente. Assim, Ueshiba que tinha mais ou menos trinta anos de idade pode dar aulas a policiais e magistrados o que, na época, era reservado a uma elite. Todos os alunos de Sokaku Takeda deviam assinar um registro de inscrição, o Eimeiroku, com a soma que eles pagavam em troca dos cursos. Esta soma era de dez yens para um seminário de 10 dias. Eu conservei esse registro. O nome de Ueshiba aparece ali umas dez vezes. Em 1922 meu pai ensinou durante 6 meses em Ayabe, perto de Kyoto, na escola de Ueshiba. No dia 15 de setembro de 1922, Moribei Ueshiba recebeu seu diploma de assistente instrutor em Daito Ryu Aiki Jujutsu.

Ee treinou com meu pai até 1931.

Conservei o manuscrito onde Ueshiba escreveu:

"Takeda Sensei ensinou-me as 84 técnicas do Daito Jujutsu em minha casa.

7 de Abril de 1931" .


K- Sensei, o senhor sucedeu a seu pai?

TT- Sim. Meu pai disse-me um dia:

"Se bem que todos os alunos me tenham deixado, você sempre me serviu fielmente. Por isso é que você poderá me suceder". Ele não nos dizia jamais onde ia quando sala de casa para ir ensinar: "Um homem do budô não sabe jamais onde vai, essa é talvez a última vez que vocês me vêem.

"Não Sabíamos onde estava. Um dia, tinha mais de 80 anos, voltando de um dos seus seminários em Hokkaido, morreu chegando em Honshu. A policia nos avisou.

K- Sensei, uma última pergunta. Que significa para você a palavra aiki que se encontrava no Daito Ryu Aiki Jujutsu ?

TT - Na época, a polícia praticava o jujutsu, as formas de ataque e não utilizava a palavra aiki. Nós empregamos este termo porque engloba as técnicas de autodefesa, nos defendemos, não tomamos a iniciativa do ataque. Por exemplo, existem técnicas especificas do Daito Ryu onde estando sentado, derrubamos um atacante que está de pé. Permanece-se sentado mas derruba-se o adversário somente quando ele nos ataca. E o que chamamos aiki.

Em Daito Ryu, quando utilizamos uma técnica para nos defender, é o aiki. Mas atenção: não se trata somente de torcer o pulso do outro. Sokaku Takeda podia ler o pensamento das pessoas: isso é que é o verdadeiro aiki.



Fonte: http://www.aikikai.org.br/artigos.php?indice=132
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