"A meta final do JUDÔ KODOKAN é o aperfeiçoamento do indivíduo por si mesmo, desenvolvendo um espírito que deve buscar a verdade através de esforço constante e da sua total abnegação, para contribuir na prosperidade e no bem estar da raça humana" "Nada sob o céu é mais importante que a educação. Os ensinamentos de uma pessoa virtuosa podem influênciar uma multidão; aquilo que foi bem aprendido por uma geração pode ser transmitidas a outras cem." Jigoro Kano

ENTREVISTA COM MINORU MOCHIZUKI Por Stanley Pranin e Ikuko Kimura


A entrevista que se segue foi realizada no Dojo do Sensei Minoru Mochizuki, na cidade de Shizuoka, em 22 de novembro de 1982.


Aiki News 54 – Abril de 1983



Minoru Mochizuki, fundador do Yoseikan Aikido















Aiki News: Sensei Mochizuki, creio que a primeira arte marcial que o senhor praticou foi o Judô.



Mochizuki Sensei: Exato. Eu comecei um ano antes de ingressar na escola elementar. Quando eu já estava cursando a 5ª série, nós nos mudamos e então eu tive que parar com meu treinamento. No novo local, do outro lado da rua e apenas uma casa acima, havia um dojo de Kendo, que eu passei a praticar. Quando eu estava na escola intermediária, voltei a praticar Judô e não parei mais. Eu sentia que iria gostar de me tornar um especialista de judô, então procurei o Kodokan (sede mundial do Judô). Um ano antes, contudo, eu tinha ingressado no dojo de um dos mais professores da Kodokan, chamado Tokusanbo. Na época, costumava-se dizer nos meios de judô: “Mifune é o mais técnico, mas o demônio do Kodokan é o Tokusanbo”. Realmente, ele era um professor poderoso e assustador. Seu dojo ficava em um local conhecido por Komatsugawa. Na época, eu morava com uma irmã cuja residência era próxima daquele local. Eu treinei lá durante seis meses aproximadamente, quando me mudei novamente e então ingressei no Kodokan para me tornar um judoca.



Eu ingressei no dojo do Sensei Tokusanbo em 1924. Naquela época, um professor de Jujutsu do antigo estilo “Gyokushin-ryu” morava perto da minha irmã. Seu nome era Sanjuro Oshima. Esse professor estava realmente entristecido com o desaparecimento dos estilos clássicos do Jujutsu e estava determinado a preservar sua própria arte. Tanto que pediu que eu a aprendesse através dele. Eu iria à sua casa, onde me seriam oferecidos excelentes refeições e eu não teria que pagar nada pelas lições. Foi assim que eu comecei a praticar Jujutsu.



O senhor atingiu qual graduação naquela arte?



Após seis meses, aproximadamente, eu recebi um certificado de “Shoden Kirishi Mokuroku”, razoavelmente comparável à faixa preta 1° Dan de Judô. Com isso, terminou meu relacionamento com aquele mestre, mas até hoje eu me lembro de suas palavras: “O nome da nossa tradição é Gyokushin Ryu. Esse nome está escrito com caracteres que significam ‘Espírito Esférico’. A bola vai rolar livremente. Não importa qual lado seja impulsionada, ela rola sempre. É justamente desse tipo de espírito verdadeiro que Gyokushin Ryu procura imbuir seu praticantes. Uma vez atingido esse ponto, nada neste mundo irá desapontar você”. Naquele tempo, eu era uma criança e não entendia muito bem o que ele queria dizer. Eu simplesmente imaginava um coração ou um espírito rolando aqui e ali. Somente após ter completado 50 anos eu pude entender o real significado do “espírito esférico Gyokushin”.

Se você não dedicar 50 anos aquele estudo, você não o compreenderá. Eu esqueci isso por muitos anos.



Quais outras artes marciais o senhor praticou?



Eu também pratiquei Kendo. Eu esqueci o nome do meu mestre, mas nunca esquecerei as coisas que ele disse. Ele disse-me uma vez que: “Quando um tinha 13 anos, eu participei da famosa Batalha do Ueno. Olhe para você! Você tem 12 anos, certo? Como você espera ser capaz de manejar sua espada no próximo ano, sendo tão fraco?”. Esse era o tipo de mestre que eu tinha no Lendo. Assim, durante o período em que eu pratiquei Judô sob a orientação do “Demônio” Tokusanbo, eu também praticava Gyokushin-Ryu Jujutsu. Esse método utiliza várias técnicas de sacrifício e algumas outras muito similares às do Aikido. Posteriormente, em maio de 1926, eu ingressei na Kodokan e já em junho fui oficialmente promovido à faixa preta 1° Dan. Isso deveu-se ao fato de que em todas as competições de que havia participado eu havia vencido todos os faixas pretas que lutaram comigo. Por isso, eu achava que já possuía todas as qualificações para faixa preta mesmo antes de recebê-la. Foi também por isso que eu recebi o 2° Dan no mês de janeiro subseqüente, apenas 6 meses depois. Um ano mais tarde, eu recebi o 3° Dan. Eu acho que havia demonstrado estar à altura da maioria dos faixas pretas 3° Dan durante todo o tempo em que fui 2° Dan. Afinal, eu vinha praticando Judô antes mesmo de iniciar meus estudos regulares.



Que tipo de Judô era praticado na Kodokan?



Naquele tempo, uma de minhas irmãs vivia na cidade de Tsurumi, na prefeitura de Kanagawa, e ela gentilmente me convidou para morar com ela. Diariamente, eu tomava um trem para Tóquio, para praticar Judô na Kodokan. Então, tiveram início às sessões especiais de treinamento chamada “Kangeiko”. Durante 1 mês, tínhamos que iniciar nosso treinamento às 4 horas da manhã, todos os dias. Claro que não havia trens àquela hora, então eu tinha que caminhar até o Dojo. Era uma distância considerável entra minha casa em Tsurumi e a Kodokan, o que me obrigava a sair à meia noite para chegar a tempo. Lá ia eu margeando a estrada de Tokaido, arrastando meus tamancos de madeira. À medida que me aproximava da Kodokan, ia encontrando outros alunos, com suas faixas pretas sobre os ombros, chegando diligentemente de outros lugares. Alguns pareciam estar competindo comigo par achegar antes. Bem, eu estava na estrada desde a meia noite e não iria deixá-los me vencer, então começava a correr. Quando me viam correr, começavam também a fazê-lo. (risos)



De qualquer modo, eu havia andando e corrido até a Kodokan, e, quando chegava lá, estava coberto de suor. Havia um poço lá, mas a água da superfície estava geralmente congelada. Eu quebrava o gelo e me lavava da cabeça aos pés antes de correr para o Dojo. Bem, um dia eu estava junto ao poço quando percebi a falta do balde que costumava ficar lá.Alguém havia removido de lá. Eu não podia perder tempo procurando-o ou chegando atrasado para o início do treinamento, então pulei dentro do poço, onde permaneci por alguns segundos. Quando estava saindo do poço, percebi que alguém estava me ajudando a fazer isso, puxando-me pelo braço. Quando me virei para agradecer, quem vocês acha quem era? O Sensei de todos nós, Mifune. Fiquei atônito e momentaneamente sem ação. Eu já tinha removido o gelo e tudo mais. Finalmente, consegui dizer “Bom dia”. O Sensei olhava-me fixamente. “Mas o que é que você está fazendo?”, perguntou-me. Eu respondi acovardado que estava saindo da água. Talvez o Sensei tenha sentido pena de mim, pois me deu uma pequena toalha disse que eu me enxugasse. Então perguntou por que eu estava me lavando naquela água fria. Eu expliquei que tinha que vir caminhando de Tsurumi todos os dias, ao que Sensei Mifune me falou: “Esta noite você pode ficar na minha casa. Seu bobo, arruinando sua saúde dessa maneira”.



A partir daquele dia, eu permaneci na casa do Sensei Mifune. Na prática, eu me tornei um de seus dependentes. Naquela época, havia centenas de alunos que viviam às suas custas para poderem aprender Judô, mas logicamente o Sensei não poderia hospedar a todos. Quando passei a morar em sua casa, já havia três alunos vivendo lá. Disseram-me para ocupar um quarto de apenas três “Mats” (equivalente a 6 metros quadrados), onde já ocupado por mais dois outros colegas. E eles eram grandes! Praticamente só havia espaço para estender minha roupa de cama, então a única coisa que eu podia fazer era deitas entre eles e dormir. Eu dormia razoavelmente aquecido, pois as cobertas deles ficavam também sobre mim, mas, sempre que eles se mexiam, eles chutavam os cobertores para os lados. Toda hora eu acordava com frio por causa disso. (risos)



Como era o seu relacionamento com o Sensei Mifune?



Durante o dia, o Sensei Mifune freqüentemente nos contava histórias sobre outras artes marciais. Isso era bom, especialmente para mim. Foi assim que aprendi tudo sobre Judô. Naquela época, dizia-se que era impossível para um praticante obter sua licença se apenas fosse ao dojo treinar e, em seguida, voltasse para casa. Em outras palavras, tal aluno nunca receberia o certificado de mestre-instrutor de Menkyo Kaiden. Os alunos de fora vinham treinar por dia, tendo, assim, a chance de ouvir todas as histórias que seu mestre tem para contar. Eu, assim, aprendi muito. E é assim que se começa a entender o lado espiritual da arte marcial.



Essa é a história do Sensei Jigoro kano. Dentre seus muitos alunos, havia um homem excelente, chamado Okabe, que era realmente muito inteligente e um forte judoca. Entretanto, o Sr. Okabe insistia em dizer que o judô era um esporte. “Se o judô não é um esporte, então não é nada!”, dizia. Bem, o Sensei Kano gostava verdadeiramente daquele aluno, mas achava, do fundo do seu coração, que o judô não devia se tornar um esporte simplesmente. Como você sabe, há em outros países igrejas especializadas no ensino de como conduzir uma vida dentro dos padrões morais. No Japão, não temos esse tipo de instituição voltada para o ensino da moralidade, portanto, o Sensei Kano ao criar o judô, tencionava aliar a um método de treinamento físico princípios e práticas morais. Enquanto isso, seus discípulos estavam se dedicando exaustivamente a seus estudos regulares e, em decorrência, muitos adoeceram. Um grande número deles morreu em conseqüência de moléstias pulmonares.



O Sensei Kano transformou as antigas técnicas do Jujutsu passaram a constituir o judô; ou seja, ele adaptou aquelas antigas técnicas de forma que pudessem ser praticadas como um esporte ao invés de restringi-las à atmosfera específica de um dojo. O “do” da antiga palavra budo (caminho marcial) tem o significado de “virtude” ou “moralidade”. Isso é a essência do dojo. O dojo é um lugar onde você cultiva a virtude enquanto pratica técnicas marciais. O que correlacionado com virtude. Foi por isso que um dos alunos do Sensei Kano tinha aquelas discussões acaloradas. Não importava quantas vezes o Sensei expusesse seu ponto de vista, o outro insistia em dizer que “esse tipo ambíguo de arte é inaceitável. As formas de ganhar ou perder no judô são típicas de um esporte, já desenvolvimento de personalidade é outra coisa bem específica. Ninguém precisa cultivar valores normais ao praticar um esporte. Isso aparece normalmente durante a prática”. Posteriormente, aquele aluno graduou-se em educação física. Ele era extremamente teórico.



Tudo aquilo fez o Sensei Kano pensar. Se a pessoa apenas pratica judô, essa arte tornou-se apenas um esporte. Então, decidiu introduzir treinamento de artes marciais na Kodokan e construiu um dojo específico para isso. Ele esperava mostrar nas artes marciais pré-moderna a todos e aqueles que estivessem interessados poderiam praticá-las livremente. Ele achava que se pudesse transmitir aos praticantes o verdadeiro espírito das artes marciais, esses se tornavam capazes de desenvolver e praticar o espírito do budo. Foi assim que ele fundou a Kobudo Kenkyokai (associação de pesquisa das artes marciais).



O senhor também estava ligado àquele grupo?



Eu morava na casa do Sensei Mifune durante aquele período e também sentia a necessidade de inclusão do treinamento espiritual, então me juntei ao grupo. Naquela época, eu era também faixa preta 2° Dan de Kendo, então sabia como manejar uma espada, realizar o trabalho dos pés e utilizar toda a extensão dos meus braços. Ou seja, eu era completamente diferente dos instrutores que só haviam praticado judô. Foi por isso que, após iniciar os treinamentos com o grupo, fui notado pelo Sensei Kano. “Você tem a postura de um líder”, falou-me. Depois disso, eu tinha que reportar ao Sensei maués progressos no treinamento, uma ou duas vezes por mês. Um dia, enquanto fazia meu repouso, o Sensei me disse: “No futuro, você será o principal professor da Kodokan”. Eu fiquei atônito. Naquele tempo, encontravam-se entre os grandes mestres pessoas como Sensei Mifune e Sensei Tokusanbo. Eu ficava admirando se um dia pudesse alcançar o nível de ambos. Então, um dia, após terminar meu reporte, o Sensei me perguntou: “Qual o sentido que você dá ao caractere ju na palavra judô?”. Pra mim, significa suave ou flexível, respondi. “Você pode praticar judô apenas por ser suave ou flexível?”, replicou ele. Agora eu havia sido apanhado. Claro, se você for apenas suave, você irá perder sempre. O Sensei continuou: “O que você está praticando não é judô e sim Godo (caminho duro) e, se continuar assim, nunca irá praticá-lo. A rigidez acompanha a flexibilidade e a flexibilidade acompanha a rigidez. O Jujutsu é o caminho através do qual se combinam os conceitos essenciais de maciez e dureza”. Naquela época, eu era apenas um rapaz de 21 anos e o ouvia com a sensação de haver entendido ao menos em parte o que o mestre estava tentando me transmitir, embora ele insistisse em dizer que eu ainda não o havia entendido. Considerando-se que “ju” é algo bem racional, isso é quase um conceito intelectual.



O que o senhor tem a nos dizer sobre sua associação com o Sensei Kano?



Em uma ocasião, participei de um torneio de judô promovido pela Nihou University. Participei e venci. Na tarde do mesmo dia, estava sendo realizado um torneio de judô na mesma universidade, do qual também participei e venci. Lá estava eu, ganhando duas medalhas no mesmo dia. Eu era ainda uma criança, e, feliz com o acontecido, que me esqueci completamente de meu compromisso com o Sensei Kano e voltei correndo para casa. Quando lá cheguei, minha irmã me perguntou sobre meu compromisso com o Sensei Kano. Saí correndo de casa e pulei em um trem, de volta à cidade, antes que me desse conta que havia esquecido a carteira. De cabeça baixa, eu poderia pedir ao condutor que me deixasse saltar, mas o problema é que não havia como mudar de trem no meio do caminho. Enquanto eu não sabia que estava sem dinheiro, não tive nenhum problema em tomar o trem, como habitualmente. Agora, entretanto, eu sabia de antemão que não poderia pagar o bilhete foi muito difícil conter meu nervosismo. (risos) Eu hesitava, mas finalmente expliquei ao novo condutor o que havia acontecido, e ele gentilmente permitiu que eu completasse a viagem. Eu nunca vou esquecer aquela terrível sensação.



Enfim, eu corri para a casa do Sensei, chegando às 16:30hs para um encontro marcado para as 14 horas. O Sensei era um homem muito ocupado. Ele é do tipo que planeja seu dia de trabalho segundo a segundo, então eu estava preocupado sobre quão duramente eu seria repreendido desta vez. Foi com pensamento desse tipo que fui ao seu encontro. O Sensei tinha 70 anos naquela época, e assim que soube que eu chegava, vestiu um hakama para me receber. Na realidade, ele se vestiu formalmente apenas para receber uma pessoa 50 anos mais jovem. Ele me encarou por alguns segundos e depois me perguntou se estava doente. Eu comecei a lhe contar com havia ganhado duas medalhas. Acho que havia um certo tom de orgulho em minha voz, pois o tom de voz do Sensei mudou completamente. “O que você pensa que esses torneios são, afinal de conta?”. Eu havia vencido, então não podia atinar com o motivo pelo qual ele não estava contente com isso. Ele continuou: “Nós escrevemos a palavra shiai (torneio) com caracteres que significam” tentar juntos “. Shiai´s são parte do treinamento em artes marciais e servem para você medir periodicamente os limites de seus pontos fortes. Você precisa fazer isso duas vezes no mesmo dia?”. Eu havia participado para vencer. Não havia nem pensado em meus pontos fortes. O Sensei voltou à carga: “Você tem uma idéia errada sobre o judô. Competição não é algo de que se participe por diversão. Com esse tipo de atitude, você nunca será um bom instrutor”. A despeito da grande diferença de idade entre nós, o Sensei Kano tinha começado a me educar para que me tornasse um instrutor.



Naquela época, eu estava também treinando no Katoni Shinto-Ryu. Essa arte utilizava a espada, o bastão (bo), naginata, lança, espada curta, duas espadas juntas e técnicas de jujutsu. Eu ainda praticava kendo, então circulava entre vários dojos e treinava diariamente por cinco ou seis horas. Além de tudo isso, antes do meu desjejum eu aprendia algo chamado Muso-ryu Jojotsu. Eu fiquei forte rapidamente. Foi mais ou menos nessa época que o Sensei Kano foi assistira uma demonstração feita por Sensei Ueshiba, a convite de Isamu Tekeshita, um almirante. O Sensei Kano estava muito impressionado. Ele disse ao Sensei Ueshiba gostaria de vê-lo instruindo alguns de seus próprios discípulos se o Sensei Kano os enviasse até ele. E aconteceu que eu fui enviado.



Inicialmente, eu pensava que seria apenas mais um compromisso na minha já apertada agenda de treinamento. O Sensei Kano nos disse: “Outro dia eu tive oportunidade de conhecer as técnicas de um mestre de Jujutsu chamado Ueshiba. Eram realmente maravilhosas. Eu senti que eram as verdadeiras técnicas do Judô. Eu gostaria que Ueshiba viesse aqui na Kodokan ensiná-las, mas ele é um famoso mestre e, em sua própria defesa, isso seria impossível. Por isso, consegui que alguns de nossos alunos fossem ao dojo dele para serem treinados”. Com um olhar, ele demonstrou que gostaria que eu fosse um daqueles alunos, assim, eu e um amigo chamado Takeda fomos os escolhidos.



Isso se passou em 1930, quando o Sensei Ueshiba ainda não tinha um dojo próprio e usava a sala de estar de uma residência no bairro de Mejiro, em Tóquio, para dar as suas aulas. Mas imediatamente após começarmos a treinar lá, mudamos-nos para o recém construído Ushigome Dojo (parte do atual Hombu Dojo). Por ocasião do término da montagem daquele novo dojo, Hajime Iwata, da prefeitura de Aichi, um amigo que era um antigo lutador de sumo, e o jovem Tsutomu yukawa, também treinavam lá. O grupo era constituído por cinco ou seis pessoas. O Sensei Ueshiba disse-me, sendo eu um recém chegado: “Esses uchideshi são ainda muitos jovens e eu gostaria que você os supervisionasse”. Eu tinha 24 anos, na época. Eu discuti esse convite com o Sensei Kano, sendo minha opinião: “O Sensei Ueshiba está me valorizando e eu devo me tornar um menkyo kaiden me curto espaço de tempo. O que o senhor acharia se ele me convidasse a morar com ele e me tornar um supervisor de grupo dos alunos jovens?”. O Sensei Kano me respondeu: “Dizem que lá não há licença para professores de fora, então acho que está bem. Mas não se esqueça de continuar a me fazer os seus reportes mensais”.



Um dia, fui chamado pelo almirante Takeshita. Ele queria me dizer que o Sensei Ueshiba estava interessado em me tornar seu genro adotivo (eu devia me casar com sua filha e adotar o sobrenome Ueshiba). Que eu faria agora? Eu tinha recebido proposta semelhante do Katoni Shinto-ryu, onde havia o presidente de uma campanha farmacêutica, que era vizinho de minha irmã, o qual havia viajado até a prefeitura se Shizuoka, somente para perguntar à minha família se eu podia ingressas na sua, através do casamento. Pessoalmente, as únicas experiências que eu havia tido com garotas limitavam-se às conversas com minhas irmãs, e nunca havia pensado em me casar, assim, terminei por recusar as três ofertas.



Foi por aquela época que eu fiquei seriamente doente. A canja foi puro excesso de trabalho. Deixei de treinar por um mês, que aproveitei para dormir. O Sensei Kano estava realmente preocupado comigo, chegando a providenciar minha hospitalização, cujas despesas serem cobertas pela Kodokan. Mas meu irmão veio de Shizuoka para me buscar, então eu expressei meus profundos agradecimentos ao Sensei Kano e deixei Tóquio. Eu me internei no Hospital Municipal de Shizuoka, onde permaneci por três meses. Os médicos ficaram surpresos com a rapidez da minha recuperação. Eu estava sofrendo de pleurisia e tuberculose, mas todo dia meu médico dizia que eu estava melhor e me recuperando rapidamente.



Naquele mesmo ano meu irmão e alguns amigos haviam montado um dojo no centro da cidade, e eu acho que eles temiam que, se eu regressasse a Tóquio, acabaria morrendo. De qualquer forma, nos decidimos que, assim que eu saísse do hospital, eu iria recomeçar a treinar aos poucos, ensinando os jovens da cidade. Enquanto me recuperava, quando o Sensei Ueshiba soube disso, ele, o almirante Takeshita, o general Miura, o Sensei Shunnossuke Emoto, o sensei Yasuhiro Konishi e foram bastante gentis a ouvirem à minha cidade para a cerimônia de inauguração do dojo. Depois disso, todo mês, quando o Sensei Ueshiba ia ensinar em um dojo da região de Omoto, em Ryoto, eles faziam uma parada na minha cidade durante sua viajem de regresso. Algumas vezes ele ficava por dois ou três dias. Ele realmente gostava de mim. Ele parecia querer ficar, não tinha pressa de regressar, e às vezes sou filho Kisshomaru tinha de vir buscá-lo. Ele gostava da minha casa a esse ponto. Foi mais ou menos naquela época que ele me deu os pergaminhos de Menkyo Kaiden (diploma de mestre-instrutor). Um deles media aproximadamente dois metros de cumprimento e o outro aproximadamente três. O mais longo era intitulado “A Defesa Pessoal do Daito-ryu Aiki Jujutsu” enquanto o título do outro era “O ângulo dos ensinamentos do Daito-Ryu Aiki Jujutsu”. Penso não haver nenhuma pessoa viva atualmente que tenha recebido esse tipo de certificado das mãos do Sensei Ueshiba. O Sensei Tomiki recebeu seus pergaminhos um pouco antes de mim.



Realmente, apenas alguns dias atrás, um dos discípulos do Sensei Tomiki veio aqui e conversamos sobre muitas coisas. O Sensei Tomiki e meu irmão nasceram no mesmo dia do mesmo ano e eram amigos íntimos. Pessoalmente, eu nunca fui tão chegado a ele. Ele começou a praticar Aikido uns cinco anos antes de mim, então é um pouco mais graduado que eu. Então, novamente, ele é um acadêmico e eu aprendi muita coisa através de seus escritos. Mas se eu acho que algo está errado, sou o tipo de pessoa que diz isso diretamente. Eu sempre expressei minha opinião francamente, mesmo para o Sensei Ueshiba. Então, após ter sido xingado por isso, eu deveria reconsiderar os acontecimentos daquela época.



Sendo fidedigno, eu, em duas oportunidades, levei a melhor em discussões com o Sensei Tomiki. Uma vez foi sobre a maneira de sacar a espada de sua bainha. Quando ele estava demonstrando com fazer isso, eu corrigi os erros do seu método. A outra está relacionada com seus esforços em converter as artes marciais em esporte. Eu lhe disse: “Sensei, o senhor pode falar sobre a conversão de artes marciais em esporte, mas não temos a intenção de fazer isso”. Ele replicou: “Mas se não convertemos as artes marciais em esporte, o aikido nunca irá para frente e morrerá”. Meu sentimento sobre esse assunto é exatamente o oposto. Eu penso que o dia em que as artes marciais virarem esporte, será o dia em que elas morrerão. Não é uma consideração sobre o que realmente são das artes marciais japonesas deve sempre fluir para o oceano dos esportes ele certamente estará poluindo antes de percorrida os primeiros 30 metros.



Ambos, Sensei Kano s Sensei Ueshiba, insistiam que o método de ensino das artes marciais nunca deveria se converter em um tipo de jogo. O famoso historiador Arnold Toynbee escreveu certa vez: “Civilização é algo nascido em um determinado pais. Mas se crescer e se espalhar por toda a parte deixará de existir em seu local de origem. Mais ainda, nunca mais voltará a existir naquele local de origem. Isso é um fato histórico”. Budismo na Índia, cristianismo em Israel e confucionismo na China são todos bons exemplos daquela afirmação. Isso é algo que deveria ser monitorado em relação às artes marciais. Se o aikido e o judô vierem a fazer parte do mundo dos esportes, eles certamente serão distorcidos pelos esquemas que envolvem vencedores e perdedores, fortes e fracos. As artes marciais se extinguirão. É ótimo para as artes marciais japonesas se espalharem pelo mundo, mas isso nunca deveria acontecer. Através de um esquema de jogo.



Se as artes marciais não enfatizarem o desenvolvimento do caráter, então irão causar condutas inapropriadas, especialmente entre os jovens. Quando eu disse isso ao Sensei Tomiki, ele não conseguiu replicar. Ele não disse nada. Ele abriu como se não valesse a pena responder a um teimoso como eu e que o que quer que os jovens fizessem, para ele estaria tudo bom. Uma das causas de delinqüência juvenil é a segregação de um membro de seu círculo de amigos ou de seu grupo esportivo. Treinadores, entretanto, estão interessados apenas no treinamento dos atletas e nas questões relacionadas às vitórias e derrotas. Eles não se importam naqueles que deixam o time, porque só estão interessados em vencer. Nos esportes, não há lugares para os fracos ou menos competentes.



Pessoalmente, eu preferiria que a maioria dos esportes se transformasse em artes marciais, assim o desenvolvimento espiritual e a prevenção da má conduta fariam parte do seu treinamento. Eles deveriam estar mais preocupados em formar jovens que não causassem problemas aos seus irmãos e na promoção de bom relacionamento entre maridos e mulheres.



Se você fala em “amor”, tem que admitir que o contrário é “ódio”.



Por outro lado se falamos em harmonia, estamos falando se algo que inclui noções de razão. Amor é uma emoção que não pode existir sozinha. Precisa estar firmemente circunscrita à própria etiqueta (reiji). Amor precisa incluir comportamento adequado. A antiga afirmação “mesmo entre os melhores amigos, a etiqueta deve prevalecer” se aplica ao caso. Mesmo entre marido e mulher, é necessária. Começa com um “bom dia” todas as manhãs. Recentemente, a correta etiqueta tem dado lugar a simples demonstração de emoções. Os casais imaginam que tudo irá bem enquanto eles estiverem bem. Isso é o que conta, mas no mundo real não é o comportamento mais adequado. De acordo com um velho verso japonês: “Se você examinar cuidadosamente o ideograma utilizado para ‘pessoa’, notará que se parece com dois movimentos mutuamente dependentes”. Seres humanos são animais sociais. Nós podemos comer arroz por que há fazendeiros para produzi-lo. Sem eles, teríamos que produzir nossa própria comida. Em outras palavras, nós ajudamos uns aos outros. O conceito de “você” e “eu”, isoladamente, é incorreto. Harmonia consiste em emoção e razão. Essa é a natureza da harmonia. As artes marciais ensinam etiqueta e razão. A forma de direcionar o espírito de uma pessoa também é aprendida através das artes marciais. Em paises estrangeiros, isso é ensinado em igrejas.



Há 30 anos, passei dois anos e meio na França ensinando judô. Um dia, durante uma sessão especial de treinamento para competição, eu disse aos alunos que deveriam treinar também no domingo. Os alunos me disseram que não poderiam vir, pois teriam que ir à igreja. Fiquei muito surpreso ao ouvir isso. Não imaginava que os jovens fossem à igreja. Eu lhes perguntei se eles ao ficavam entediados ao ouvir sempre as mesmas histórias sobre Deus. Eles me responderam: “Sensei, seres humanos são animais esquecidos”. Entendo, pensei. Eu às vezes me esqueço dos ensinamentos do meu Sensei e dos Kamis (deuses) e discuto com minha mulher e meus irmãos. Esquecidos... Eu realmente acho que meus alunos estavam certos. Eu estava envergonhado e me vi refletindo sobre minha conduta. Temos que ouvir freqüentemente histórias sobre os Kamis porque os seres humanos são esquecidos. Então, pela primeira eu compreendi a importância que o Sensei Kano dava ao “caminho” quando estava ensinando judô. E porque o Sensei Ueshiba freqüentemente mencionava o kami enquanto estava ensinando aikido. Eu percebi que esse é o verdadeiro significado das artes marciais.



(Traduzido do inglês para o português por Fernando Lopes Penteado-Instituto Takemussu shodan)
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2 comentários:

edyvan | 2 de dezembro de 2008 às 10:39 Reply |

Saudações:)

Que entrevista maravilhosa, realmente
o judo pode ser considerado uma
filosofia de vida e não apena um
esporte.

Vou imprimir e entregar ao meu sensei
ele vai adorar.

Olá Edylvan!
Também achei muito boa essa entrevista, mostra a intimidade do dia-a-dia de Mochizuki com os grandes mestres como Kano, Ueshiba, Tomiki e Mifune...o judsô é muito mais que apenas derubar um oponente em competições...
Abraços