"A meta final do JUDÔ KODOKAN é o aperfeiçoamento do indivíduo por si mesmo, desenvolvendo um espírito que deve buscar a verdade através de esforço constante e da sua total abnegação, para contribuir na prosperidade e no bem estar da raça humana" "Nada sob o céu é mais importante que a educação. Os ensinamentos de uma pessoa virtuosa podem influênciar uma multidão; aquilo que foi bem aprendido por uma geração pode ser transmitidas a outras cem." Jigoro Kano
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domingo, 11 de julho de 2010
A História do Judo em Portugal
O primeiro contacto de Portugal com o Judo de que temos conhecimento remonta a uma
demonstração pública feita por 2 oficiais da Armada Japonesa ancorada em Lisboa, no início do
século XX.
Tal como um pouco por toda a Europa, alguns curiosos procuravam conhecer e aprender um
pouco desta nova arte.
Armando Gonçalves, em 1914, publica no Porto a 1ª Edição do livro “A defesa na rua”.
O primeiro professor de Ju-jutsu japonês que esteve em Portugal chamava-se Hirano, tendo
morrido afogado na praia de St. Cruz.
Em 1936 a PSP do Porto por iniciativa do seu comandante Coronel Namorado de Aguiar e do
Tenente Alberto Cruz inclui a prática do Ju-jutsu nos programas dos cursos dos seus agentes,
sendo a instrução dada por Armando Gonçalves.
Em 1941 é publicada pela Livraria Simões Lopes a 1ª Edição do livro “O Fraco Vence o Forte”
de Armando Gonçalves. Em Lisboa, António Correia Pereira correspondia-se regularmente com
Risei Kano e Moshizuni, director do Yoseikan.
Devido às suas diligências grandes mestres do Judo e Aikido visitaram Portugal. António
Correia Pereira é o primeiro português cinto negro, 1º Dan, inscrito no Kodokan, membro da
Kodokan-Ju-Jutsu Association. Torna-se também o primeiro Membro Honorário da União
Dinamarquesa de Judo. Em 1946 funda a Academia de Budo, que fica a funcionar no 3º andar
do nº 140 da rua de S. Paulo. Editou a primeira revista de judo em Portugal da qual saíram
somente nove números.
Sob o pseudónimo Minuro, publicou o livro “A essência do Judo” em 1950 que mereceu as
felicitações de Risei Kano e Kinosuka Tanaka. A sua actividade esteve sempre afastada da
Federação Portuguesa de Judo, pelo que a sua graduação não é reconhecida pela mesma.
Em 1947 é criada a Academia de Judo, agregada à Academia de Budo e que funcionava na
mesma morada, sob a sua direcção técnica. A Academia de Judo é a primeira instituição onde
se ensina Judo em Portugal.
No mesmo ano Masami Shirooka visita Portugal, tendo estado uma grande temporada na
Academia de Budo.
A União Portuguesa de Budo, a mais antiga associação de Artes Marciais em Portugal, foi fundada pelo Mestre António Hilmar Schalck Corrêa Pereira, que reuniu à sua volta um grupo de pessoas que comungavam dos mesmos objectivos: o estudo das artes de combate japonesas, em que a técnica e a prática se fundem de modo indissociável ao desenvolvimento espiritual, moral e social do praticante.
Antes dele, outros procuraram dar a conhecer essas artes em Portugal Dois japoneses, Hirano e Raku, mestres de Ju-Jutsu, fizeram demonstrações públicas. Um português, Armando Gonçalves, instrutor da PSP do Porto, escreveu alguns livros sobre o assunto. Mas nunca tinha existido antes, por vários motivos, uma organização dedicada exclusivamente ao culto do Budo. Foi graças à força de vontade e férrea determinação do Mestre Corrêa Pereira que se fundou a associação à qual se devem a introdução em Portugal do Ju-Jutsu, Judo, Karate-do e Aikido.
(Mestre António Corrêa Pereira)
Iniciado na prática do Ju-Jutsu em Berlim, na década de trinta, quando estudava engenharia química na Humboldt Universität, regressa a Portugal com o objectivo de aprofundar ao máximo os seus conhecimentos e de aqui expandir o seu ensino. Funda então a Academia de Judo, cujo Dojo funcionará na Rua de S. Paulo até à abertura, em 1958, do Dojo de Entrecampos, que passa a chamar-se "Academia de Budo".
A orientação do ensino da Academia pode ser caracterizada pela procura da realidade marcial e da evolução espiritual, demarcando-se da realidade desportiva. Algumas datas e factos ajudarão a compreender como foi difícil, por vezes, distinguir ambos os campos:
Em 1948, por despacho ministerial, o Judo foi excluído dos exercícios classificados como desporto. Em 57, novo despacho considera o Judo modalidade desportiva. Em 59, a sua prática foi considerada de utilidade militar, por despacho de S. Ex.ª o Ministro da Defesa Nacional. No mesmo ano, um despacho admite a distinção entre Judo marcial e Judo desportivo, ficando este subordinado ao Ministério da Educação Nacional e aquele ao Ministério da Defesa Nacional. Em 1960, por despacho de S. Ex.ª o Ministro do Interior, é aprovado o estatuto da União Portuguesa de Budo que, subordinada ao Ministério da Defesa Nacional, fica sendo a entidade dirigente do Budo e, portanto, do Judo marcial em Portugal. Dois anos depois, por sua vez, a Federação Portuguesa de Judo vê aprovados os seus estatutos, ficando subordinada ao Ministério da Defesa Nacional, passando a ser a entidade dirigente do Judo desportivo em Portugal. Numa época em que o espírito desportivo e de competição prevalecia em todo o mundo, inclusive no Japão, o Mestre Corrêa Pereira tomou a seu cargo a árdua tarefa de erguer uma organização que defendesse os altos princípios do Budo. Para tal, rodeou-se de homens norteados pelos mesmos ideais, e é necessário realçar o mérito desses praticantes cuja influência foi determinante na fundação e posterior desenvolvimento da União Portuguesa de Budo.O Engenheiro Sebastião Durão, por exemplo, foi alguém que, de forma particularmente activa, mais importância teve desde o início, e que muito contribuiu junto do governo para a aprovação do estatuto e em todos os momentos decisivos da história da União; o Coronel João Luís Freire de Almeida, também ele um dos fundadores da UBU, que iniciou a secção de Artes Marciais do Colégio Militar, onde foi instrutor; o Dr. João Luís Franco Pires Martins, introdutor do Karate-do em Portugal e que, para além da sua importância como praticante, assegurou durante anos o funcionamento permanente da Academia de Budo.
Estes são algumas das pessoas que maior influência directa tiveram na vida e desenvolvimento da UBU, mas houve muitos outros que ajudaram a transformar os objectivos do Mestre Corrêa Pereira numa realidade.
A sua obra recebeu o maior aplauso por parte dos altos responsáveis nipónicos, em particular de Minoru Mochizuki, o Mestre que reuniu o maior número de graduações em todas as Artes Marciais. Em carta deste grande cultor do Budo ao Mestre Corrêa Pereira, pode ler-se o seguinte: "Eu sei bem que V. não é um judoca ‘para se divertir’ e nunca esquecerei que, no que se refere ao Judo como arte de combate, V. é o único na Europa que o compreendeu verdadeiramente. (...) Estou muito feliz por saber que a ‘definição sobre Judo’ foi feita no mundo do Judo graças aos seus esforços. É a primeira vez. O mérito do seu governo, neste ponto, brilhará eternamente; deu um ensinamento muito importante ao mundo do Judo. Quanto ao problema da divisão do Budo-Judo, bem como da separação da administração, pode dizer-se que é considerada uma excelente ideia por parte do Kodokan, especialmente pelos homens de elevada graduação progressivos, ao passo que uma parte de conservadores não ousa olhá-la justamente. Todavia, depois da Segunda Guerra, quando a influência da América foi poderosa, (...) declarou-se que o Judo seria apenas um desporto. Mas somente eu, respeitando o testamento de Mestre Jigoro Kano, e insistindo que o Judo não é apenas uma espécie de desporto, apoio a parte do Budo-Judo, pelo que me vejo forçado a ter muitos inimigos, (...) e Mifune, 10ºDan, compreende-me profundamente."
Pela mesma ocasião, o Mestre Mochizuki escreveu ao então major Freire de Almeida: "Eu, como Budo-Judoka, li a sua carta com grande prazer e estou muito feliz por saber que Portugal toma a iniciativa para estabelecer o novo sistema, que, sem dúvida, deitará os reflexos luzidios ao mundo inteiro do Judo, e ao mesmo tempo estou persuadido de que os seus esforços e os do Sr. António Corrêa Pereira valem méritos históricos".
A figura de Mestre Mochizuki é uma das autoridades em que a UBU se baseou para definir os seus objectivos, mas a muitos outros foi buscar os ensinamentos, dentre os quais podemos destacar: Jigoro Kano, fundador do Judo, Gichin Funakoshi, fundador do Karate, Morihei Ueshiba, fundador do Aikido, e outros grandes Mestres destas Artes, como Shiro Saigo, Nobuyuki Kunishige, Mifune, Kurihara, Otani, Tomiki, Tohei, Oyama, Ichiro Abe, Koizumi, Osaki, Tadashi Abe, Kawaishi, Mizuno, Hisatomi. Foi em palavras desses grandes mestres que a UBU se baseou para ultrapassar o processo de aprovação do seu Estatuto e da própria Associação, que foi extremamente árduo e difícil, devido à inconcebível pressão por parte de responsáveis da nascente Federação de Judo. Por exemplo, num parecer pedido pelo Ministério, afirma-se que “o Budo é hoje no Japão uma actividade irrevogavelmente extinta, que ninguém faz, ninguém ensina, não há alunos, não há mestres, acabou, não existe; não existindo o Budo, é pelo menos incorrecta a designação de qualquer escola, clube, academia ou organização semelhante pelo nome de União Portuguesa de Budo”.
O Mestre Corrêa Pereira, para a elaboração do parecer da União Portuguesa de Budo, citou palavras de todos eles:
“Em Judo a palavra ‘Budo’ designa particularmente a autodefesa, isto é, o Judo estudado como arte marcial; ao passo que o ‘Undo-Judo’ é o Judo estudado como educação física. Assim, nas escolas estuda-se o Undo-Judo, ao passo que no exército ou na polícia é o Budo-Judo”. (carta de Ichiro Abe, 7º Dan de Judo)
“O espírito do Judo foi absorvido pelo lado desportivo do Judo moderno, mas penso que bons dirigentes o conservarão.” (Mifune, 10º Dan, boletim da Federação Francesa de Judo)
“ (...) Se o professor Kano ainda vivesse, decerto teria chorado; porque o Judo que elaborou com tanto esforço mudou para muito pior. (...) Relativamente à técnica também penso que o Judo antigo era mais avançado, porque havia poucas competições. (...) O Judo podia ser praticado sem constrangimento e durante muitas horas unicamente pelo seu valor real”. (revista do Kodokan, Otani, 9º Dan)
“O Judo está agora em voga. Mas corresponderá a voga à concepção do fundador? O Judo tornou-se geralmente congénere dos desportos e jogos nos quais as competições e o campeonatismo desempenham um papel tão proeminente que parecem o fito inteiro do treino. O fundador, Jigoro Kano, condenou frequentemente a prática do Judo conducente ao Judo de competição propriamente dito. Durante a sua vida até recusou a instituição de campeonatos de Judo; e conquanto representasse o Japão na comissão internacional de jogos olímpicos, nunca teve a ideia de introduzir o Judo nos jogos olímpicos. Em vez disso patrocinava um projecto para promover uma organização mundial independente do Judo, a fim de o manter distinto de jogos e desportos” (boletim do Budokwai, Koizumi, 7º Dan)
“O campeonatismo é uma inovação muito recente no Judo, provavelmente inspirado pela ideia de “modernização” ou forçado pelo poder avassalador dos acontecimentos correntes. Seja qual for a causa, o campeonatismo foi recebido com cepticismo por aqueles que tomam o Judo a sério, por recearem que isso conduzisse ao desenvolvimento do Judo de competição propriamente dito, ou ao abaixamento do Judo ao nível de simples desporto ou jogo.” (Id.)
“O Judo ou Ju-Jutsu, por sua natureza, não pode ser classificado como desporto, jogo, ou forma de recreação física; o objectivo em vista e os processos empregados são demasiado drásticos; trata-se decisivamente de uma arte marcial.” (Id.)
“Lembrem-se, ao prosseguir, que há sempre elementos que se intrometem para explorar o Judo por ambição ou visando lucro pessoal.”(Id.)
"Praticar uma Arte Marcial como simples treino desportivo equivale a cultivar flores num jardim de cimento; não produz flores nem eficácia. Os desportos estão codificados por regulamentos estabelecidos para suprimir o máximo de perigo; é o objectivo do desporto. As Artes Marciais devem fomentar a audácia, o sangue frio, a resistência, o golpe de vista, diante de um ataque armado (...) num combate em que se pode perder a vida (...), não um título." (Tadashi Abe, 7º Dan de Aikido, introdutor do Aikido na Europa, "L’Aikido, l’arme et l’esprit du samourai japonais").
Para conseguir progredir nesta via, a UBU publicava, regularmente, textos traduzidos do japonês, muitas vezes na forma de pequenas histórias, que levavam o aluno a procurar, de modo não apenas racional, mas sobretudo intuitivo, o seu verdadeiro sentido, ajudando-o assim na busca da verdadeira essência do Budo. Procurava-se incutir, não o objectivo de competir, mas o de se aperfeiçoar permanentemente, nas suas três vertentes: técnica, física e espiritual. Para isso, era necessário o treino intensivo, ajudando à busca de aperfeiçoamento interior; não bastava ler livros sobre Artes Marciais e aprender, mais ou menos correctamente, uma técnica.
(Masaami Shirooka)
Para a orientação da prática na Academia de Budo, o Mestre Corrêa Pereira procurou encontrar uma figura que representasse a mais pura tradição do Judo marcial. Assim, após longas negociações junto do governo japonês, foi recomendado à Academia o Mestre Masami Shirooka, inspector de Educação Física do Ministério da Educação Nacional do Japão, como um dos maiores mestres de Judo. Para a sua vinda, contribuíram decisivamente, entre outras, as seguintes personalidades: S. Ex.ª Iotaro Koda, ex-ministro do Japão em Portugal, parente do Dr. Jigoro Kano; S. Ex.ª Iuso Isono, então embaixador do Japão em Portugal; Tomiyo Takata, deputado; S. Ex.ª Hirokichi Nadao, Ministro da Educação Nacional do Japão; S. Ex.ª Dr. Emílio Patrício, embaixador de Portugal no Japão; Dr. Risei Kano, presidente do Kodokan; Shigenori Tashiro, 8º Dan do Kodokan, antigo embaixador do Japão no Ocidente; Koki Naganuma, 7º Dan do Kodokan, Inspector ministerial; Mizuno, 6º Dan do Kodokan; Heisaburo Fukuda, do jornal Asahi Shinbun.
O Mestre Shirooka permaneceu em Portugal durante um ano como professor efectivo da Academia de Budo, tendo chegado a Lisboa no dia 19 de Abril de 1959. Participou na II Grande Guerra como tenente, sendo depois promovido ao posto de capitão. Citando o Mestre Corrêa Pereira: "Shirooka, homem temperado pela sua carreira e pela guerra, sabe que a sua missão na Academia consiste em cultivar o Judo tradicional japonês como ramo do Budo, visando exclusivamente a realidade. Um dos seus primeiros cuidados foi focar a importância fundamental do Ki-Mochi (mais ou menos ‘dominar o espírito’) na formação dos budokas. O seu estribilho: Treine, treine, treine."
O Mestre Corrêa Pereira, pela sua concepção marcial do ensino, abriu o caminho para a prática dos outros ramos do Budo. Em 1959, o Mestre Kiyoshi Mizuno visita o nosso país, a convite da Federação Portuguesa de Judo, sendo portador de uma missiva de Risei Kano para o M. Corrêa Pereira. Na ocasião, faz uma demonstração de Judo, Karate-do e Aikido no dojo da Rua de S. Paulo. Estas duas Artes, então em embrião no Ju-Jutsu, são então apresentadas em Portugal pela primeira vez. É no entanto em 63 que tem lugar a primeira aula de Karate-do, arte introduzida pelo Dr. Pires Martins, após estágios efectuados em França. Devido ao facto de Pires Martins ter contactado com Mestres de Shotokan e Shito-Ryu, a orientação técnica desse período foi nesse sentido.
(Dr. Pires Martins)
O Dr. João Luís Franco Pires Martins, colaborador íntimo do projecto do Mestre Corrêa Pereira, iniciou-se na Academia de Judo, na Rua de S. Paulo, nos anos 50. Em 1960, dá-se a abertura do novo dojo da Rua Visconde de Seabra, a Academia de Budo, à qual esteve ligado até ao seu encerramento, no início da década de 80, tanto a nível pedagógico, como administrativo. Foi presença diária durante todos os anos que se manteve em actividade, bem como sua Esposa, a Sr.ª D.ª Celeste, que todos os que por lá passaram recordarão com carinho e respeito, pela amabilidade e disponibilidade com que mantinham permanentemente em funcionamento a Academia.
Entusiasta desde sempre de todas as Artes Marciais, reúne o máximo de informação possível sobre o Karate-do, quer em livros quer em filmes didácticos, pelo que se desloca a França para aprender com o Mestre Nambu, que então aí leccionava. Em 1963 dá a primeira aula desta Arte Marcial em Portugal, sendo seus alunos os mais antigos mestres de Karate que depois o espalharam e desenvolveram, como Fragoso Fernandes, Raul Cerveira, Alexandre Gueifão, Manuel Ceia, Mário Rebola, Francisco Gouveia, entre tantos outros.
Em 67/68, considerou-se necessário contactar uma alta graduação para dirigir tecnicamente o Karate-do da União Portuguesa de Budo, para o que alguns graduados se deslocaram a França, onde já faziam estágios regulares alguns mestres japoneses. Após vários contactos a escolha recaiu no Mestre Tetsuji Murakami, 5º Dan (graduação máxima) da organização Shotokai, de Tóquio, que passou, desde essa data até aos primeiros anos da década de 70, a exercer essas funções.
O Dr. Pires Martins, para além do Judo e do Karate, foi um estudioso do Ju-Jutsu, que aprendeu desde o início, a par do Judo, com pessoas como Bouchendhomme, um membro da Resistência francesa que ensinou em Portugal, e com Tony Stricker, outro dos pioneiros do Judo no nosso país.
Devido ao interesse que sempre sentiu pelo Aikido, desde muito cedo procurou alguém que pudesse ensiná-lo na Academia. As primeiras aulas desta Arte em Portugal tiveram lugar na Academia de Budo, dadas pelo Sr. Daniel Laurent, um aluno de Karate da Academia que também era 3ºKyu de Aikido, tendo aprendido com o Mestre Georges Stobbaerts, que aceitou a incumbência desde que o seu Mestre fosse contactado para tomar em mãos a direcção pedagógica, o que veio a acontecer. O Mestre Stobbaerts dirigiu estágios em Portugal, na Academia, e mais tarde fundou o seu próprio dojo e a sua própria associação, mantendo, no entanto, relações pessoais e pedagógicas com a União Portuguesa de Budo.
Sabendo da passagem em Portugal de um mestre japonês de Aikido, o Dr. Pires Martins tudo faz a nível económico e social para o conseguir fixar na Academia. É assim que o Mestre Honda Doshu (então Misao) toma em mãos a direcção desta Arte, trazendo de seguida o seu professor, Hirokazu Kobayashi, para estágios em Portugal que ficaram memoráveis, pela qualidade técnica e espírito marcial evidenciados pelo Mestre. Posteriormente, o professor Honda criou a sua associação, embora continuando ligado por laços pedagógicos à Academia, onde o professor Leopoldo Ferreira já leccionava. Podemos, portanto, dizer com exactidão que o Dr. Pires Martins foi o responsável directo pela introdução do Karate-do e do Aikido no nosso país.
A sua actividade não se limitou, no entanto, aos aspectos pedagógicos e de funcionamento diário da Academia: em diversas ocasiões teve de assumir activamente a defesa da União Portuguesa de Budo frente a problemas de vária ordem levantados por diversas entidades.
Em reconhecimento da sua acção no desenvolvimento do Karate-do em Portugal, é-lhe conferido pela FAJKO (Federation of All Japan Karate-do Organizations) o grau de 4º Dan honorífico nesta Arte, no ano de 1971. Em entrevista ao jornal "A Capital" de 3 de Outubro desse ano, respondia assim a questões levantadas pelo jornalista, demonstrando a sua natural modéstia, característica que deveria ser comum a todos os praticantes de Artes Marciais:
- "Muito humanamente, tal distinção sensibilizou-me e de certo modo desvaneceu-me, ainda que não me considere, de modo algum, merecedor de tanto".
Sobre a introdução do Karate-do e das outras Artes Marciais, continua a entrevista demonstrando a sua elevada estatura moral e humana:
- "Em 1963, coube à Academia de Budo, de que sou subdirector, o mérito da introdução (do Karate-do) em Portugal. No entanto, desejo salientar que todo o trabalho, por vezes bem árduo, que se realizou nesse campo desde então, só foi possível devido à perseverança anterior de um homem com conhecimentos extraordinários sobre Artes Marciais e de quem, muito injustamente, hoje pouco se fala. Refiro-me a António Corrêa Pereira, director da Academia de Budo. (Esta) teve um papel preponderante no desenvolvimento do Judo. Foi a primeira instituição a ensinar o Judo do Kodokan em Portugal, isto há cerca de 25 anos (em 1946), nas instalações da Rua de S. Paulo. Outros que depois vieram pouco teriam conseguido se não encontrassem já preparado o terreno. Refiro-me, sobretudo, a, devido principalmente ao entusiasmo de alguns praticantes da Academia, o desenvolvimento do Judo em Henri Bouchendhomme e a Tony Stricker, que tanto influenciaram Portugal. Antes de António Corrêa Pereira, resultaram infrutíferas todas as tentativas feitas, sendo, contudo, de salientar o trabalho de Armando Gonçalves, que foi, no Porto, instrutor da Polícia de Segurança Pública, e que escreveu dois livros, nomeadamente "O Fraco Vence o Forte" e "A Defesa na Rua". Foi, contudo, António Corrêa Pereira quem, fundando (...) a Academia e transmitindo os seus conhecimentos, lançou as primeiras bases sólidas que permitiram posteriormente o progresso do Judo no nosso país. (...) Era membro da União Internacional de Judo, membro do Kodokan de Tóquio, membro da Kodokan Jiu-Jitsu Association, primeiro membro honorário estrangeiro da União Dinamarquesa de Jiu-Jitsu, cinto negro do Kodokan, etc. (...)"
Muito importante se torna recordar as suas palavras sobre os objectivos das Artes Marciais, e do Karate-do em particular, ainda na mesma entrevista:
- "O Karate, acima de tudo, é uma escola de disciplina, de autodomínio, de respeito pela hierarquia. Além da sua parte física, funcional, existe todo um treino de ordem espiritual, que procura obter do praticante uma ascensão no plano moral e mental. Assim, todo o progresso técnico funcional (defesa - ataque) é obtido lentamente e conjuntamente com um progresso de ordem moral e espiritual. Como já disse numa outra entrevista, os grandes mestres são de opinião que o Karate deve aliar à sua significação literal de "mãos vazias" o conceito "mãos vazias de qualquer arma, espírito vazio de qualquer mau pensamento". Sendo assim, (...) se quem ensinar, esquecer os princípios inerentes ao próprio Karate, (...) não está a ensinar Karate quem assim proceder."
Em 1986, durante um período conturbado da história das Artes Marciais em Portugal, foi-lhe atribuído, pela CDAM (Comissão Directiva das artes Marciais), o grau de 5ºDan honorífico em Ju-Jutsu, "em reconhecimento das artes marciais portuguesas pelo mérito da sua actuação durante mais de 30 anos, e como professor e pilar administrativo da União Portuguesa de Budo". O Dr. Pires Martins, para além de Director da Academia de Budo, exerceu o cargo de Presidente da Assembleia-Geral da UBU, em 1969, sendo substituído no cargo, no ano seguinte, pelo Sr. General Adriano Augusto Pina, voltando a exercê-lo, com grande sacrifício, devido a problemas de saúde, desde 1982 a 1993, data em que, a seu insistente pedido, foi substituído pelo Sr. Eng. Sebastião Durão. Apesar disso, permanece constantemente presente no espírito de todos os que tiveram a honra de o conhecer, trabalhar e estudar sob a sua orientação.
( Coronel João Luís Freire)
No dia 10 de Setembro de 1992 faleceu uma das figuras de maior relevo na história das Artes Marciais em Portugal, o Sr. Coronel de Infantaria João Luís Freire de Almeida.
O infausto acontecimento foi recordado em todos os dojos da União Portuguesa de Budo, de que foi Sócio Fundador, com um minuto de silêncio, tendo sido celebrada missa em sua intenção. Exerceu variados cargos directivos na nossa Associação, onde manteve até ao fim a sua preciosa colaboração como membro da Direcção.
Durante toda a vida, o Sr. Coronel Freire de Almeida foi um cultor do Judo marcial, que sempre defendeu e procurou difundir.
Fundou, no ano lectivo de 61/62, a secção de Judo do Colégio Militar.
A sua vida castrense dividiu-se por Portugal continental, pelos Açores, pela Guiné, de 63 a 65, por Angola, de 67 a 69, e por Moçambique, de 70 a 72. Ao longo do seu extenso currículo militar recebeu inúmeros louvores e condecorações, tendo-se notabilizado, desde o início, pelas suas qualidades humanas e de comando, pelo seu espírito de corpo, pelas suas capacidades profissionais: "Profundamente humano na forma de tratar o seu pessoal, extremamente delicado no seu trato, mas inflexivelmente disciplinado e disciplinador", possuidor de "notáveis qualidades de dedicação e inexcedível zelo (...) aliados ao elevado espírito militar, lealdade e puro carácter", pode ler-se na extensa folha de louvores que lhe foram conferidos.
Quando professor no Colégio Militar, aí fundou e orientou pessoalmente, com prejuízo dos seus tempos livres, a classe de Judo, interessando-se sempre pela boa formação moral e desenvolvimento físico dos alunos.
Quando em campanha militar, sempre se destacou pelo extremo conhecimento das realidades com que deparou, e pelas qualidades do chefe que demonstra com o exemplo, nas muitas e difíceis missões que cumpriu.
Foi agraciado com a Ordem Militar de Avis; foi-lhe concedida a Medalha comemorativa das campanhas em Angola, de 67 a 69; foi condecorado com a Medalha de Mérito Militar de 2ª classe; a Medalha comemorativa das campanhas em Moçambique de 70 e 71; condecorado com a Medalha de Prata de Serviços Distintos com Palma; condecorado com a Medalha de Ouro de Comportamento Exemplar.
A sua figura de homem ponderado e simultaneamente firme nas suas opiniões permanecerá viva na memória de todos os que tiveram a sorte de com ele trabalhar.
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