"A meta final do JUDÔ KODOKAN é o aperfeiçoamento do indivíduo por si mesmo, desenvolvendo um espírito que deve buscar a verdade através de esforço constante e da sua total abnegação, para contribuir na prosperidade e no bem estar da raça humana" "Nada sob o céu é mais importante que a educação. Os ensinamentos de uma pessoa virtuosa podem influênciar uma multidão; aquilo que foi bem aprendido por uma geração pode ser transmitidas a outras cem." Jigoro Kano
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quarta-feira, 1 de abril de 2009
ENTREVISTA COM O-SENSEI UESHIBA 1957
A seguinte entrevista com O Sensei e seu filho, Kisshomaru, foi publicada em Aikido(Jornal da Hombu Dojo), por Kisshomaru Ueshiba,Tokyo, Kowado, 1957, pp. 198-219. Foi traduzida do japonês por Stanley Pranin e Katsuaki Terasawa e conduzida por dois jornalistas anônimos. É de uma riqueza de lances valiosos da vida de O Sensei, da história e do desenvolvimento do Aikido.
A: Quando eu estava no colégio, meu professor de filosofia nos mostrou o retrato de um famoso filósofo e agora estou impressionado com a semelhança entre vocês, Sensei.
UESHIBA: Entendo. Talvez eu devesse ter entrado no campo da filosofia ao invés. Meu lado espiritual é mais forte do que o lado físico.
B: Dizem que o Aikido é muito diferente do Karate do Judo.
UESHIBA: O Aikido é totalmente diferente daquilo que as pessoas em geral pensam a respeito das artes marciais.
B: Então, o que é o Aikido?
UESHIBA: Na minha opinião, pode-se dizer que é a verdadeira arte marcial. A razão disto é que ele é uma arte marcial baseada na verdade universal. Este universo é composto de muitas partes diferentes e ainda assim, o universo como um todo é uno como uma família e simboliza o estado último da paz. Por ter esta visão do universo, o Aikido não pode ser nada além de uma arte marcial da harmonia e de não violência. Por isso, pode se dizer que o Aikido é mais uma manifestação do Criador do Universo. Em outras palavras, o Aikido é como um gigante (imenso em natureza). Portanto, no Aikido, o céu e a terra se tornam os campos de treinamento. O estado mental do aikidoista deve estar pacificado e totalmente livre da violência. É dizer, aquele estado mental especial que transforma a violência em um estado de harmonia. E acho que este é o verdadeiro espírito das artes marciais japonesas. Esta terra nos foi dada para que a transformássemos num paraíso. A atividade guerreira é totalmente fora de contexto.
A: Então, ele é muito diferente das artes marciais tradicionais.
B: Então, isto significa que o senhor esteve ligado a Tenryu durante algum tempo?
UESHIBA: Sim. Ele ficou em minha casa por cerca de três meses.
B: Isso foi na Manchúria?
UESHIBA: Sim. Eu o conheci quando fazíamos a ronda depois de uma celebração marcando o décimo aniversário da instalação do governo da Manchúria. Havia um homem de boa aparência na festa e muitas pessoas estavam curiosas, fazendo comentários como: "Este Sensei tem uma tremenda força. Que tal se testar contra ele?" Perguntei a alguém ao lado quem era ele. Me foi explicado que era o famoso Tenryu que havia de afastado da Sumo Wrestler's Association. Fomos então apresentados. Finalmente, acabamos medindo nossas forças. Sentei e disse a Tenryu, "Por favor, tente me empurrar. Empurre forte, não há necessidade de se conter." Por conhecer o segredo do Aikido, eu não poderia ser movido uma polegada. Mesmo Tenryu pareceu surpreso com isto. Como resultado dessa experiência, ele se tornou um estudante de Aikido. Era um bom homem.
A: Sensei, o senhor esteve também na Marinha?
UESHIBA: Sim, por um longo período. Começando por 1927 ou 28, por cerca de 10 anos. Eu era professor em meio período na Academia Naval.
B: O senhor instruía os soldados na época em que ensinou na Academia Naval?
UESHIBA: Ensinei muito os militares, começando pela Academia Naval em 1927-28. Por volta de 1932 ou 1933, comecei uma aula de artes marciais na Escola Toyama para o Exército. Então em 1941-42, ensinei Aikido aos alunos da Academia de Polícia Militar. Além disso, em certa ocasião, dei uma demonstração a convite do General Toshie Maeda, Superintendente da Academia do Exército.
B: Já que o Senhor treinou soldados, deve ter havido muitos tipos rudes e muitos episódios.
UESHIBA: Sim. Fui até mesmo emboscado, uma vez.
B: Por considerarem-no um professor autoritário?
UESHIBA: Não. Não foi por causa disso. Era para testar a minha força. Foi no tempo em que comecei a ensinar Aiki para a polícia militar. Uma noite, enquanto caminhava pelos campos de treinamento, senti que alguma coisa estranha estava acontecendo. Senti algo errado. Subitamente, de todas as direções, de trás dos arbustos e depressões, muitos soldados apareceram e me rodearam. Começaram a me golpear com espadas e rifles de madeira. Mas eu estava acostumado com aquele tipo de coisa e por isso, não me incomodei. Enquanto tentavam me atingir, eu girava meu corpo desta e daquela forma e eles caíam facilmente enquanto os golpeava. Finalmente, todos ficaram exaustos. De qualquer modo, o mundo é cheio de surpresas. Outro dia encontrei um dos homens que tinham me atacado. Sou conselheiro na Military Police Alumnae na Prefeitura de Wakayama. Durante um encontro recente, um indivíduo me reconheceu e veio sorrindo em minha direção. Depois de termos conversado alguns minutos, entendi que ele era uma dos homens que havia me atacado naquele dia, muitos anos atrás. Enquanto coçava a cabeça, me contava o seguinte: "Sinto muito por aquele incidente. Naquele dia, discutíamos se o novo professor de Aikido era ou não realmente forte. Uma parte de nós, policiais militares de sangue quente, conversava a respeito
e decidimos testar o novo professor. Cerca de 30 homens ficaram na espreita. Ficamos completamente assombrados com o fato de que 30 homens auto confiantes não pudessem ter feito nada contra a sua força."
C: Houve outros episódios enquanto o senhor esteve na Escola Toyama?
UESHIBA: Medição de forças?... Um incidente teve lugar, acredito que antes do episódio com a polícia militar. Vários capitães que eram instrutores na Escola Toyama me convidaram para testar minha força contra eles. Todos estavam orgulhosos de suas habilidades dizendo coisas como: "Sou capaz de erguer tantos e tantos pesos", ou "parti um tronco de tantas polegadas de diâmetro". Se reuniram ao meu redor para testar meu poder. Expliquei a eles: "Não tenho força como vocês mas posso derrubar pessoas apenas com o meu dedo mínimo. Sinto por vocês se os arremessar. Então, vamos fazer isto, ao invés." Estendi meu braço direito e apoiei a ponta do dedo indicador na borda de uma mesa e os convidei a apoiarem seus ventres sobre o meu braço. Um,
dois e então três oficiais se apoiaram sobre ele e naquele momento, todos arregalaram os olhos. Continuei até que seis homens estivessem apoiados e então pedi um copo de água ao oficial que estava em pé perto de mim. Enquanto eu tomava a água com a mão esquerda, todos estavam silenciosos, trocando olhares.
B: À parte do Aikido, o senhor deve ter uma tremenda força física.
UESHIBA: Na verdade, não.
KISSHOMARU UESHIBA: É claro que ele tem força, mas ela deve ser descrita como o poder do ki, mais do que força física. Algum tempo atrás, quando fomos a uma nova colônia no país, vimos sete ou oito lavradores tentando em vão levantar um enorme tronco de árvore. Meu pai parou para olhar por um instante e então pediu que se afastassem um pouco para que pudesse tentar.
Levantou-o facilmente e de pronto, carregou o tronco. É totalmente inconcebível fazer este tipo de coisa usando mera força física. Também houve um incidente envolvendo um certo Mihamahiro.
B: O mesmo Mihamahiro da Associação de SumoTakasago Beya?
UESHIBA: Sim. Ele era da Província de Kishu. Quando estive em Shingu em Wakayama, Mihamahiro estava bem colocado nas classificações de Sumo. Tinha tremenda força e podia erguer três vigas que pesavam várias centenas de libras. Quando soube que Mihamahiro ia ficar na cidade, convidei-o para um encontro. Enquanto conversávamos, Mihamahiro disse, " Também ouvi dizer
que o senhor, Sensei, possui grande força. Por quê não fazemos um teste?". "Está certo. Ótimo. Posso imobilizá-lo apenas com o meu dedo indicador", respondi. Então deixei que ele me empurrasse enquanto eu estava sentado. Este sujeito, capaz de erguer pesos imensos, bufou e bufou mas não pode me mover. Depois, redirecionei sua força para além de mim e ele saiu voando.
Quando caiu, prendi-o com o dedo indicador, ficando totalmente imobilizado. Foi como um adulto prender um bebê. Então sugeri que tentássemos outra vez e deixei que ele me empurrasse contra a testa. Entretanto, ele não pode me mover de forma alguma. Então estendi minhas pernas para a frente e, balançando, tirei- as do chão e fiz com que me empurrasse. Mesmo assim, ele não pode me mover. Ficou surpreso e começou a estudar Aikido.
Parte II
B: Então, em budo, não é bom ser forte. A unificação da ken e do zen é ensinada desde a antigüidade. Sem dúvida, não se pode compreender a essência do budo sem esvaziar a mente. Nesse estado, nem o certo ou o errado têm significado.
UESHIBA: Como eu disse antes, a essência do budo é o Caminho do masakatsu e agatsu.
B: Ouvi uma estória sobre como o senhor se envolveu em um combate com cerca de 150 trabalhadores.
UESHIBA: Estive? Se me lembro... Deguchi Sensei foi à Mongólia em 1924 para realizar o seu objetivo de uma Comunidade Asiática maior, alinhada com a política nacional. Eu o acompanhei a seu pedido, embora estivesse convocado para o exército. Viajamos pela Mongólia e Manchúria. Neste último país, encontramos um grupo de bandidos montados e houve um pesado tiroteio. Devolvi o fogo com uma mauser (pistola alemã) e então comecei a correr para o meio dos bandidos, atacando-os violentamente e eles se dispersaram. Tive sucesso em escapar do perigo.
A: Sensei, sabemos que o senhor tem muitas ligações com a Manchúria. O Senhor passou muito tempo lá?
UESHIBA: Desde aquele incidente, tenho ido à Manchúria com bastante freqüência. Eu era conselheiro para artes marciais na organização Shimbuden, bem como na Kenkyoku University na Mongólia. Por esta razão, sou bem recebido naquele país.
B: Hino Ashihei escreveu uma estória chamada "Oja no Za" na Shosetsu Shincho, na qual relata a juventude de Tenryu Saburo, dissidente do mundo do Sumo e do seu encontro com a arte marcial do Aikido e seu verdadeiro espírito. Isto tem algo a ver com o senhor, Sensei?
UESHIBA: Sim.
UESHIBA: Sem dúvida, é muito diferente. Se olharmos para trás no tempo, veremos o quanto as artes marciais têm sido maltratadas. Durante o Período Sengoku (1482-1558, "Sengoku - = países em guerra) os suseranos locais usaram as artes marciais como uma ferramenta de luta a serviço de seus próprios interesses e para satisfazer o seu orgulho. Acho isto totalmente inadequado. Embora eu mesmo, durante a guerra, tenha ensinado artes marciais a soldados para serem usadas com o propósito de matar, fiquei profundamente perturbado depois que o conflito terminou. Isto me motivou a descobrir o verdadeiro espírito do Aikido sete anos depois, ao tempo em que surgiu a idéia de construir um paraíso na terra. A razão disto foi que, embora o céu e a terra (isto é, o universo físico) tenha alcançado um estado de perfeição e seja relativamente estável em sua evolução, a raça humana (o japonês, em particular) parece estar em um estado de revolução. Antes de mais nada, devemos mudar esta situação. A compreensão desta missão é o caminho para a evolução do homem universal. Quando cheguei a esta compreensão, concluí que o verdadeiro estado do Aikido é do amor e da harmonia. Assim, o bu (marcial) em Aikido é a expressão do amor. Eu estudei o Aikido para servir meu país. Desta forma, o seu espírito só pode ser o amor e a harmonia. O Aikido nasceu de acordo com os princípios de funcionamento do universo e portanto, ele é um budo (arte marcial) de vitória absoluta.
B: O senhor poderia falar a respeito dos princípios do Aikido? O público em geral vê o Aikido como algo místico, como ninjutsu, já que o senhor, Sensei, derrubou oponentes enormes com a velocidade da luz e levantou objetos pesando várias centenas de libras.
UESHIBA: Ele apenas parece ser místico. Em Aikido usamos completamente o poder do oponente. Assim, quanto maior a força que ele usa, mais fácil é para você.
B: Então, nesse sentido, há aiki em Judo, também, já que no Judo você se sincroniza com o ritmo do seu oponente. Se ele puxa, você empurra. Você se move de acordo com este princípio e o faz perder o equilíbrio e então aplica a sua técnica.
UESHIBA: Em Aikido, não existe agressividade, em absoluto. Atacar significa que o espírito já foi derrotado. Aderimos ao princípio da absoluta não resistência, que equivale a dizer, não nos opomos ao atacante. Assim, não há oponente em Aikido. A vitória em Aikido é masakatsu e agatsu; desde que ela seja obtida sobre todas as coisas de acordo com a missão do céu, você possui força absoluta.
B: Isto significa go no sen ? ( Este termo refere-se a uma resposta tardia a um ataque)
UESHIBA: Não, em absoluto. E tampouco é uma questão de sensen no sen ou go no sen. Se eu tentasse verbalizar, diria que você controla seu oponente sem tentar controlá-lo, isto é, o estado de vitória contínua. Não existe nenhuma questão de vencer ou perder e neste sentido, não há oponente em Aikido. Mesmo que você tenha um, este se torna parte de você, um parceiro que se pode controlar facilmente.
B: Quantas técnicas existem em Aikido?
UESHIBA: Existem cerca de 3.000 técnicas básicas e cada uma delas tem 16 variações... Assim, existem milhares. Dependendo da situação, você cria novas técnicas.
A: Quando o senhor começou a estudar artes marciais?
UESHIBA: Com 14 ou 15 anos. Primeiro aprendi Tenshinyo-ryu Jiujitsu com Tozawa Tokusaburo Sensei, e então Kito-ryu, Yagyu-ryu, Aioi-ryu, Shinkage-ryu, todas formas de Jiujitsu. Entretanto, pensei que deveria existir uma verdadeira forma de budo em algum lugar. Tentei Hozoin-ryu Sojitsu e Kendo. Mas todas estas artes estão voltadas para o combate um a um e não puderam me satisfazer. Assim, visitei muitos lugares no país procurando o Caminho e o treinamento... mas foi tudo em vão.
A: O treino ascético do guerreiro?
UESHIBA: Sim, a procura pelo verdadeiro budo. Quando eu ia a outras escolas, não poderia nunca desafiar o Sensei do dojo. Uma pessoa responsável por um dojo tem obrigações com muitas coisas e assim é muito difícil para ele demonstrar a sua verdadeira habilidade. Eu lhe renderia o respeito adequado e aprenderia com ele. Caso me julgasse superior, renderia meus respeitos e voltaria para casa.
B: Então o senhor não aprendeu Aikido desde o começo.
UESHIBA: Não o chamávamos Aikido então. Estudei todas as artes marciais.
B: Quando foi que o Aikido nasceu?
UESHIBA: Como já disse, fui a muitos lugares buscando o verdadeiro budo. Então, quando eu estava com cerca de 30 anos, me estabeleci em Hokkaido. Em uma ocasião, durante uma estada no Hisada Inn em Engaru, Província de Kitami, encontrei um certo Takeda Sokaku Sensei do clã Aizu. Ele ensinava Daito-ryu Jijitsu. Durante os 30 dias em que aprendi com ele, senti algo como que uma inspiração. Mais tarde, convidei este mestre para vir à minha casa e junto com 15 ou 16 empregados, nos tornamos alunos, procurando pela essência do budo.
A: O Senhor descobriu o Aikido enquanto aprendia Daito-ryu com Takeda Sokaku?
UESHIBA: Não. Seria mais preciso dizer que Takeda Sensei abriu meus olhos para o budo.
A: Então, houve alguma circunstância especial envolvendo a sua descoberta do Aikido?
UESHIBA: Sim. Aconteceu desta forma. Meu pai ficou seriamente doente em 1918. Pedi para deixar Takeda Sensei e fui para casa. No caminho, me foi dito que se eu fosse a Ayabe perto de Kyoto e dedicasse uma prece, qualquer doença seria curada. Assim, eu fui e lá encontrei Deguchi Onisaburo. Depois disso, quando cheguei em casa, soube que meu pai já estava morto. Embora tenha encontrado Deguchi apenas uma vez, decidi me mudar para Ayabe com minha família e acabei por permanecer ali até o fim do período Taisho (por volta de 1925). Sim... Naquela época eu estava com 40 anos de idade. Um dia, eu me enxugava perto de um poço. De repente, uma cascata de ofuscantes luzes douradas desceu do céu envolvendo meu corpo. Então imediatamente meu corpo foi se tornando maior e maior atingindo o tamanho do universo. Enquanto eu era dominado por esta experiência, subitamente compreendi que não se deveria pensar em tentar vencer. A forma do budo deve ser a harmonia. É preciso viver em harmonia. Isto é Aikido, e a forma antiga da postura em Kenjitsu. Depois desta compreensão, fiquei emocionado e não pude conter as lágrimas.
Parte III
A: Quando o senhor diz imobilizar alguém com um dedo, o senhor pressiona um ponto vital?
UESHIBA: Essencialmente o que faço é o seguinte: Desenho um círculo ao redor da pessoa. Seu poder está dentro desse círculo. Não importa quão forte alguém seja; não pode estender a sua força para além desse círculo. Ele se torna fraco. Assim, se você a imobiliza enquanto você está fora desse círculo, pode prender a pessoa com o seu dedo indicador ou seu dedo mínimo. Isto é possível porque o oponente já se tornou fraco.
B: Mais uma vez, é uma questão de física. Também em Judo, quando você arremessa um oponente ou o imobiliza, você se coloca do mesmo modo. Em Judo, você se movimenta de várias maneiras para tentar posicionar o oponente da mesma forma.
A: Sua esposa é da Prefeitura de Wakayama?
UESHIBA: Sim. Seu sobrenome de solteira em Wakayama era Takeda.
A: O nome da família Takeda tem uma relação muito estreita com as artes marciais.
UESHIBA: Pode-se dizer que sim. Minha família tem sido leal à Casa Imperial por muitas gerações. E temos sido absolutamente sinceros em nosso apoio. Na verdade, meus ancestrais se desfizeram das propriedades e fortuna e mudaram-se a serviço da família imperial.
B: Deve ter sido bastante difícil para a sua esposa, já que o senhor também, Sensei, está constantemente se mudando desde a juventude.
UESHIBA: Eu estava muito ocupado e não tive muito tempo de lazer para passar em casa.
KISSHOMARU: A família de meu pai era abastada e ele pode se dedicar ao budo shugyo (treinamento rigoroso em artes marciais). E outra coisa, mais uma das suas características é que ele se preocupa pouco com dinheiro. O seguinte incidente teve lugar em certa ocasião. Quando meu pai se estabeleceu em Tokyo em 1926, em sua segunda visita à capital, primeiro veio sozinho e depois, foi seguido pela família que veio de Tanba em 1927. Nos estabelecemos em Sarumachi, Shibashirogane em Tokyo. Alugamos aquele lugar com a ajuda do Sr. Kiyoshi Yamamoto, um dos filhos do General Ganbei Yamamoto. Naquele tempo, meu pai possuía muitas propriedades ao redor de Tanabe, incluindo tanto terras cultivadas como não cultivadas e terrenos montanhosos. Entretanto, tinha pouco dinheiro e teve que pedir emprestado. A despeito disto, nunca precisou vender qualquer terra. E mais, quando seus alunos traziam oferendas mensalmente ele dizia, "não quero este tipo de coisa". Dizia-lhes que oferecessem ao Kami-Sama (uma divindade) e nunca aceitou dinheiro diretamente. E quando precisava, ele se apresentava humildemente em frente ao altar do Kami-sama e recebia presentes da divindade . Nunca pensamos em cobrar pelo budo. A sala de treinamento na época era o salão de bilhar na mansão do Conde Shimazu. Muitos dignitários, incluindo oficiais tais como o Almirante Isamu Takeshita bem como vários aristocratas vinham praticar. O nome que usávamos era "Aikijujitsu" ou "
UESHIBA-ryu Aikijitsu".
B: Qual é a idade ideal para começar a treinar Aikido?
KISSHOMARU: Você pode começar por volta de 7 ou 8 anos de idade, mas o treinamento sério, ideal, deve começar aos 15 ou 16 anos. Fisicamente falando, a estrutura do corpo se torna mais vigorosa e os ossos mais fortes nessa idade. Além disso, o Aikido tem muitos aspectos espirituais ( é claro, assim como outras formas de budo ) e assim, nessa idade, começa-se a adquirir uma perspectiva do mundo e da natureza do budo. Assim, por tudo isto, eu diria que 15, 16 anos é uma boa idade para começar o estudo do Aikido.
B: Comparado com o judo, em Aikido há bem poucas ocasiões em que se se atraca com o oponente. Assim, não há necessidade de muita força física. Além disso, pode-se lidar não apenas com um, mas muitos oponentes ao mesmo tempo. Isto é realmente o ideal como budo. Mas, por outro lado, ele pode ser também usado como ferramenta em briga de rua. Nesse aspecto, há também muitos "brigões" que vêm estudar Aikido?
KISSHOMARU: É claro, este tipo de indivíduo aparece também. Mas quando este tipo pratica o Aikido com a intenção de usá-lo como ferramenta para brigar, não fica muito tempo. O budo não é como dançar ou assistir um filme. Chuva ou sol, você deve praticar todo o tempo, durante o dia-a-dia para progredir. Em particular, o Aikido é como um treinamento espiritual praticado sob a forma de budo. Não pode nunca ser cultivado como ferramenta para aqueles que o usariam para a briga. Também, indivíduos com tendência à violência param de agir assim quando aprendem Aikido.
B: Compreendo... Através do treinamento constante, eles param de se comportar como "brigões".
UESHIBA: Como o Aikido não é um bu (método marcial) de violência mas uma arte marcial de harmonia, não se age violentamente. Você converte o oponente violento de forma gentil. Eles não podem se comportar assim por muito tempo.
B: Compreendo. Não é controlar a violência com a violência, mas transformar a violência em harmonia.
A: O que o Senhor ensina em primeiro lugar como fundamento do Aikido? Em Judo, aprende-se ukemi (queda)...
KISSHOMARU: Primeiro, a movimentação do corpo (Taisabaki) e então, o fluxo de ki...
A: o quê é o fluxo de ki?
KISSHOMARU: Em Aikido, treinamos constantemente o controle do ki do nosso parceiro através do movimento de nosso próprio ki, atraindo-o para o nosso próprio movimento. A seguir, aprendemos como girar o corpo, movendo-o juntamente com os braços e pernas. Então, o corpo se torna unificado e se move suavemente.
B: Assistindo a prática do Aikido, os alunos parecem cair naturalmente. Que tipo de treino vocês fazem para o ukemi?
KISSHOMARU: Diferente do Judo, onde você se atraca com o oponente, em Aikido quase sempre se mantém alguma distância. Consequentemente, um tipo mais livre de ukemi é possível . Ao invés de cair com um baque como no Judo, fazemos quedas circulares, uma forma muito natural de ukemi. Assim, praticamos aqueles quatro elementos com muita diligência.
B: Então vocês praticam Tai no sabaki (movimentação do corpo), ki no nagare (fluxo de ki), Tai no tenkan Ho (giro de corpo), ukemi e então começam a praticar técnicas. Que tipo de técnica o senhor ensina primeiro?
KISSHOMARU: Shihonage, uma técnica para arremessar um oponente em muitas direções diferentes. Isto é feito da mesma maneira que a técnica de espada. É claro, usamos bokken (espadas de madeira) também. Como eu disse antes, em Aikido, mesmo o inimigo se torna parte do seu movimento. Posso movê-lo como desejar. Segue-se então, naturalmente, que quando se pratica com quaisquer meios que se tenha disponíveis, como um bastão ou uma espada de madeira, estes se tornam também uma parte de você, como um braço ou uma perna. Portanto, em Aikido, aquilo que você está segurando deixa de ser um mero objeto, para se tornar uma extensão do seu próprio corpo. Em seguida, Iriminage. Nesta técnica, você entra assim que o oponente tenta golpeá-lo e nesse momento, aplicam-se dois ou três atemi (golpes em pontos dolorosos). Por exemplo, o oponente ataca a lateral do seu rosto com um soco ou com a mão-espada (tegatana). Usando a força do oponente, você faz uma abertura com o seu corpo para a esquerda e para trás, enquanto conduz a mão direita do atacante com suas duas mãos estendidas, continuando na direção do movimento. Então, segurando a mão do oponente, você a move em círculo ao redor da cabeça dele. Ele então cai com o braço "enrolado" ao redor cabeça... Isto também é o fluxo de ki. O oponente ataca com a mão direita; você move a mão na direção do ki dele...Há várias teorias sofisticadas a respeito. O oponente fica totalmente enfraquecido, ou melhor, a força do oponente é dirigida na direção em que você quer levá-lo. Assim, quanto mais força o oponente tiver, mais fácil é para você. Por outro lado, se você se chocar com a força dele, não pode nunca esperar derrotar uma pessoa muito forte.
Parte IV
UESHIBA: Além disso, em Aikido, nunca se vai contra a força do atacante. Quando ele o ataca, golpeando ou cortando com uma espada, há essencialmente uma linha ou um ponto. Tudo o que você precisa fazer é evitá-los. KISSHOMARU
UESHIBA: Depois fazemos as seguintes técnicas: suwari waza shomenuchi ikkyo, nikkyo; então técnicas de articulação e imobilização assim por diante...
B: O Aikido tem muitos elementos espirituais. Quando tempo leva para adquirir uma compreensão básica do Aikido, desde o princípio? KISSHOMARU
UESHIBA: Não posso generalizar, já que existem pessoas coordenadas e descoordenadas, mas quando alguém pratica por cerca de três meses, começa a ter alguma compreensão do que é o Aikido. E aqueles que tenham completado três meses de prática, treinarão por seis . Se praticar por seis, então poderá continuar por um tempo indefinido. Aqueles que têm apenas um interesse superficial desistirão antes do três meses.
B: Vai haver um exame de shodan no dia 28 deste mês. Quantos faixas pretas existem atualmente? KISSHOMARU
UESHIBA: A graduação mais alta é a oitava e existem quatro deles. Há seis faixas-pretas de sétimo grau . E os de primeiro grau são bastante numerosos, mas , é claro, isto inclui somente aqueles que contataram o Hombu Dojo depois da Guerra.
B: Sei que há um número considerável de pessoas aprendendo Aikido em países estrangeiros também. KISSHOMARU
UESHIBA: O Sr. Tohei tem visitado o Havaí e os Estados Unidos com o propósito de ensinar Aikido. O Aikido é mais popular no Havaí onde há 1200 ou 1300 praticantes. Esta estimativa para o Havaí seria equivalente a 70 ou 80.000 Aikidoistas em Tokyo. Há bem poucos faixas-pretas na França também. Há um francês que começou a estudar Aikido depois de se machucar praticando Judo. Eles queria experimentar o espírito do Aikido mas não foi possível conseguir isto na França. Sentiu que para buscar o verdadeiro espírito do Aikido, teria que ir ao berço da arte. Por esta razão, veio ao Japão. O Embaixador do Panamá também está estudando Aikido mas parece que o clima no Japão é muito frio e não pratica no inverno. Há também uma senhora chamada Onada Haru que foi a Roma estudar escultura. Vem ao dojo desde o tempo em que era estudante na Escola de Belas Artes de Tokyo. Acabei de receber uma carta onde diz ter conhecido um italiano que pratica Aikido e a tratou muito bem.
A: E a respeito da interpretação das técnicas do Aikido?
UESHIBA: Os pontos essenciais são “masakatsu, agatsu “ e “katsuhayai”. Como eu disse antes, masakatsu significa a "vitória correta" e agatsu significa vencer de acordo com a missão celeste que foi dada a você. Katsuhayai representa o estado mental da "vitória rápida".
A: O Caminho é longo , não é?
UESHIBA: O Caminho do Aikido é infinito. Estou agora com 76 anos de idade mas continuo a minha busca. Não é uma tarefa fácil dominar o Caminho no budo ou nas artes. Em Aikido, você deve compreender cada fenômeno do Universo. Por exemplo, a rotação da Terra e o mais intrincado e longínquo sistema do universo. É um treinamento para a vida inteira.
B: Assim, Aiki é o ensinamento do Kami (Deus) tanto quanto um caminho marcial. Então, qual é o espírito do Aikido?
UESHIBA: Aikido é ai (harmonia). Você faz desta grande harmonia do universo o seu coração e então deve tornar sua própria a missão de proteção e de amor por todas as coisas. Realizar esta missão deve ser o verdadeiro budo. O verdadeiro budo significa vencer-se a si mesmo e eliminar o coração combativo do inimigo. Não, é um caminho de absoluta auto-perfeição no qual o verdadeiro inimigo é eliminado. A técnica do aiki é o treinamento ascético e um caminho através do qual se alcança um estado de unificação do corpo e do espírito pela compreensão do princípio do Céu.
B: Então Aiki é o Caminho para a paz do mundo.
UESHIBA: O objetivo último do Aiki é a criação de um paraíso na terra. De qualquer modo, o mundo inteiro deve estar em harmonia. Então não teremos necessidade de bombas atômicas ou de hidrogênio. Poderá ser um mundo confortável e prazeroso.
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