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quinta-feira, 13 de novembro de 2008

UM OLHAR TRADICIONAL SOBRE A CONTEMPORÂNEA FILOSOFIA DO JUDO












Por:Clóvis Corrêa Luiz Júnior,
Giovanna Carla Interdonato,
Bianca Miarka e
Márcia Greguol






RESUMO
Este estudo teve como objetivo investigar qual a opinião dos mestres mais graduados
em judô do estado do Paraná sobre a atual conduta dos judocas diante dos valores
tradicionais da filosofia do judô. Para isso, foi realizada uma pesquisa de caráter
qualitativo. A amostra foi composta por três senseis. A coleta de dados foi realizada
através de entrevistas. Os resultados demonstram que os senseis acreditam que houve
grandes mudanças por parte dos atletas em relação à valorização da filosofia do judô.
No entanto, eles enfatizam que existe uma pequena minoria que cultiva os valores
tradicionais da filosofia do judô.
Palavras-chave: Filosofia, Judô, Tradicional


INTRODUÇÃO
Atualmente um dos assuntos que vem causando certa polêmica e que é
dificilmente abordado é a questão dos princípios filosóficos do Judô, pelo fato de que a
modalidade, na maioria das vezes, vem sendo vista e praticada apenas com caráter
competitivo, esquecendo-se dos valores que abrangem esta arte marcial.
O objetivo do estudo foi investigar quais as percepções que alguns senseis
apresentam sobre a aplicação atual dos princípios filosóficos originais do judô.
Com tal estudo será possível ponderar sobre como vem se tratando da parte
filosófica que é parte fundamental do judô criado por Jigoro Kano (VIRGÍLIO, 1986).
JUDÔ: RAÍZES E CRIAÇÃO UM BREVE RELATO
As artes marciais foram praticadas no Japão durante o período feudal, como a
lança, arco e flecha, esgrima e muitas outras. O jujutsu era uma delas, também chamado
Taijutsu e Yawara. Era um sistema de ataques que envolvia projeções, pancadas,
cuteladas perfurantes e lacerantes, estrangulamentos, cotoveladas, joelhadas e
imobilizações do oponente, bem como a defesa contra esses ataques.
Embora as técnicas do jujutsu fossem conhecidas desde os tempos mais
primitivos, até a última metade do século XVI o jujutsu não era praticado nem ensinado sistematicamente. Durante o período Edo (1603-1868) transformou-se numa arte
complexa, ensinada por mestres de numerosas escolas (KODOKAN, 1994).
Um rapaz filho de imperadores japoneses como o nome de Jigoro Kano buscou
no Jujutsu uma saída na qual pudesse desenvolver suas capacidades físicas e melhorar
sua qualidade de vida, por ser um rapaz de porte físico fraco, por volta de 1,50m e 50
kg, e apresentar uma saúde debilitada. Kano tinha como principal objetivo aprender esta
arte para resgatar o prestígio do país, que passava por fortes mudanças com a entrada da
cultura estadunidense, e também tinha o propósito de utilizar a arte marcial para educar
não apenas o corpo, mas a questão moral e intelectual do indivíduo. Ele possuía um
senso crítico por ser um estudante universitário, o que foi importantíssimo para ele
começar a fundamentar o seu aprendizado de jujutsu junto à ciência, tendo a base
científica para fundamentar a arte que estaria para criar. Percebeu então que poderia
realmente utilizar destas técnicas com pressupostos pedagógicos para trabalhar o caráter
do indivíduo. Depois de algum tempo, no fundo de um templo, chamando eishoji, funda
o Kodokan, (que “ko” significa divulgar, “do” significa caminho, doutrina da vida e
“kan” é local), ou seja, local para divulgar doutrina da vida, onde começou a ensinar o
Judô. Com isso Kano saiu totalmente dos padrões de nomes das academias de jujutsu
que eram todos relacionados à guerra.
Nesta época ainda não se denominava Judô, então Kano conservou a primeira
letra Ju de jujutsu e substitui o jutsu, que significa aprimoramento da arte, por do, que
tem um significado amplo de caminho, como doutrina da vida, caminho da vida que o
indivíduo deve seguir até a morte.
A filosofia de Jigoro Kano tinha como objetivo, de acordo com TAKAGAKI,
SHARP, (1997) apud MIARKA, (2006), divulgar, através da arte chamada agora de
Judô, sua prática em princípios filosóficos para torná-la um meio de aprimoramento
físico, intelectual e do caráter, em processo de aperfeiçoamento geral do ser humano.
Para isto o Kano fundamentou a filosofia do judô em duas máximas e nove princípios,
os quais caracterizam a verdadeira essência da filosofia judoística.
Virgilio (1986) comenta que, independente do objetivo com que se pratica Judô,
tanto para fins recreativos ou competitivos, os princípios e a filosofia do judô devem ser
constantemente embutidos em seus praticantes de maneira séria e responsável para que
haja um progresso técnico e filosófico. Em 1938, em uma reunião do Comitê Olímpico
em Cairo, Egito, com objetivo de levar as Olimpíadas de 1940 para o Japão, Kano ao
ser entrevistado por um repórter disse que: “Judô tem toda característica de esporte
competitivo, mas tem algo mais que é subjetivo, que é a essência do judô, que é formar
caráter do indivíduo através da prática das técnicas; se incluírem o judô nas
olimpíadas esta essência se perderá.”
O crescimento do judô em todo o mundo foi lento, mas constante. O impulso
decisivo aconteceu nos Jogos Olímpicos de Tóquio em 64, quando se tornou realmente
um esporte olímpico de projeção internacional. A partir deste marco o Judô começou a
se distanciar de sua filosofia e ser encarado apenas como uma forma de disputa. Logo,
torna-se instigante investigar, pelo exposto, como os senseis mais tradicionais e
graduados do estado do Paraná vêem este fenômeno atualmente.
MÉTODOS
Este estudo de natureza qualitativa teve por objetivo investigar a opinião dos
mestres mais graduados em judô do estado do Paraná sobre a conduta dos judocas
atualmente em relação aos valores da filosofia do judô. O método qualitativo possui a
característica de ter como objeto situações complexas ou estritamente particulares. Pode
não só descrever a complexidade de um problema, como também compreender e
classificar processos dinâmicos de grupos da sociedade e, inclusive, contribuir para
processos de transformação de certos grupos sociais. De acordo com Minayo (1994), a
metodologia qualitativa é indicada ao reconhecimento de situações particulares, grupos
específicos e universos simbólicos que, neste caso, vinculou-se à atual filosofia do judô
na visão de mestres tradicionais desta arte.
O estudo foi realizado em duas etapas. A primeira foi a realização de uma
revisão de literatura do tema em questão. A segunda correspondeu à entrevista que foi
realizada através de um questionário elaborado pelos pesquisadores, o qual faz
inferência ao tema questionado foi aplicado a uma amostra composta por três senseis,
com idades entre 60 a 70 anos, com graduações acima do 7º Dan no Judô, todos
portadores de diploma de nível superior e residentes no estado do Paraná.
As questões buscaram contemplar a temática e os elementos importantes a ela
subjacentes sendo divido em três etapas:
1. Dados de identificação: Nome, idade, descendência etc.
2. História e trajetória de vida: “Com quantos anos se iniciou no Judô?”, “O que
significa a Filosofia do Judô para você?” etc.
3. Concepções dos senseis em relação à Filosofia do Judô: “Qual a sua visão da
Filosofia do Judô em relação aos atletas atuais? Ela é praticada? Por que?”,
“Quais os aspectos da filosofia do judô que o atleta pode levar para a sua
formação e exercer seus direitos de cidadão ?”, etc.
Os dados obtidos foram analisados descritivamente por meio da Técnica de
Análise de Conteúdo em que se tratou de descrever os conteúdos conforme análise que
visou subtrair das comunicações, indicadores (qualitativos ou não) que possibilitassem
fazer inferências de conhecimentos relativos às condições que permearam a emissãorecepção
da mensagem comunicada.





















RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados mostraram que os senseis acreditam que a filosofia do Judô
continua a mesma desde que foi criada, mas a maneira de como esta filosofia vem
sendo transmitida e empregada se modificou bastante, em todos os segmentos, desde os
professores de academia no processo de ensino aprendizagem até os dirigentes na
questão organizacional. De acordo com um dos entrevistados: “Anos atrás a formação
dizia muito sobre o judoca, de onde foi formado, se o sensei era bem conceituado, mas
na atualidade leva-se pouco em consideração esta referência. Acima de tudo, tem que
gostar da modalidade, abraçá-la e levar junto seu semelhante. O mais difícil no Judô
atualmente é administrar as vaidades, as mesquinharias. Só então quando isto se
modificar é que poderemos adotar a filosofia do judô na teoria e também na prática”.
Este fato corrobora com o estudo realizado por SANTOS et al, (1990), o qual
teve por objetivo analisar o conhecimento dos judocas em relação aos princípios
filosóficos do judô. De acordo com o estudo, os judocas disseram que possuem o
conhecimento de que a filosofia do judô existe. No entanto, cerca de 74% dos
entrevistados não sabia dizer nenhum dos princípios que são aspectos primordiais da
filosofia do judô. Logo os autores concluíram que a filosofia do judô está perdendo sua
ideologia e deram como explicação ao fato a metodologia de ensino que os técnicos
estão utilizando em seus treinamentos, em que adotam como objetivo apenas o
rendimento esportivo. É válido ressaltar que um fator que pode justificar o não
conhecimento da filosofia do judô são as diferenças culturais entre o oriente e o
ocidente. De acordo com o estudo de Borges (2003), a falta de conhecimento ocorre
pela confusão entre espiritualidade e religião, dando margem a diferentes interpretações
e não entendimento, principalmente quando ocorre a falta de embasamento teórico.
Desta forma, faz-se necessário que seja transmitida a filosofia proposta pelo criador
Jigoro Kano com os significados dos conceitos, os princípios e as máximas judoísticas.
Quando abordados sobre os benefícios da filosofia para a personalidade do
indivíduo, as respostas foram unânimes. Todos disseram concordar que ela realmente
tem a contribuir para os atletas. “A filosofia do judô leva a refletir que judô não é a
‘poção mágica’ que possa trazer todas as melhorias, mas através desta arte marcial,
da experiência pessoal, pode-se aconselhar e demonstrar que a filosofia que em
qualquer atividade que venha a exercer, dar o máximo de si, usando a capacidade
individual racionalmente para que venha trazer benefício para a sociedade em todos os
segmentos da vida, pessoalmente, profissionalmente, contribuir para a sociedade em
todas as áreas que um judoca atua, sendo o melhor possível”.
De acordo com os senseis entrevistados, o judô atualmente vem sofrendo
mudanças em todos seus aspectos principalmente os relacionados aos valores
judoísticos fato este que eles atribuem principalmente ao caráter competitivo do esporte
atualmente. Para eles o judô nunca deveria ter sido olímpico, “aprimorou-se a prática e
se esqueceu da filosofia e dos valores”. De acordo com a fala de um deles, um exemplo
disto: “Em competições atualmente mal fazem esta saudação, e não se pode deixar a
área de combate antes de saudar o adversário, mas o que se vê é atleta saindo
correndo, comemorando, indo abraçar pai, mãe, namorada etc. O árbitro não pode
arrastar o atleta de volta e abaixar a cabeça do atleta, então é preciso que sejam
ensinados os bons modos”.
Quando perguntado sobre o que fazer para reverte esta situação, os mesmos
disseram que: “A filosofia não pode ser mudada, mas pode ser adaptada à realidade da
sociedade em que se vive, porém a essência de formar bom cidadão não deve ser
modificada”. De acordo com os senseis, este processo de descaracterização do judô é
dificilmente reversível e seria necessário que as federações e confederações se
conscientizassem e buscassem alternativas para tentar modificar esta realidade.
CONCLUSÃO
Pode-se notar que os senseis mais graduados acreditam que houve grandes
mudanças no modo de ensino da filosofia do judô, principalmente pela modalidade ter
sido transformada em esporte mundial, em que se visa principalmente o rendimento
técnico e se deixa de lado a essência do judô. Acreditam também que o processo é
muito difícil de ser revertido e que caminha para uma divisão entre Judô Competitivo e
Judô Tradicional, porém ainda crêem que existem muitos judocas que praticam o
verdadeiro Judô, apesar das mudanças ocorridas nos últimos tempos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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TICHENOR, Clyde. The Philosophy of Judo. Encimo Judo Club, 1999.
VIRGÍLIO, Stanley. A Arte do Judô. 2ª ed. Campinas: Papirus, 1986

2 comentários:

  1. Gostaria de saber que autorizou a divulgação do meu trab no seu blog pois sou uma das autoras, e não contactada para esta divulgação.
    Atenciosamente Giovanna

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  2. Olá Madamoselle!
    A postagem foi autorizada por um dos autotes, um colaborador do blog e amigo seu, "Clóvis Corrêa"!
    Abraços

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